A Grécia é um navio a afundar e os jovens estão a saltar borda fora

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Jovens numa feira de emprego: "Aqui não nos podemos dar ao luxo de sermos ligeiramente ambiciosos" Louisa Gouliamaki/AFP

Vicky Symiakaki, 28 anos, tem centenas de amigos no Facebook. Destes, muitos são estrangeiros, ou gregos que emigraram. Ela diz – e é uma constatação, sem qualquer tom de queixa: "Estão todos melhor do que eu."

Não é porque veja na rede social que Petros acabou de chegar a um bar em Berlim. Ou porque Panagiota tenha ido a um concerto em Budapeste, ou porque Katerina (a sua irmã, que vive no Reino Unido) tenha ido às compras em Londres. "É porque os vejo a progredir", diz. "São promovidos se fizerem bem o seu trabalho. Aqui, se és boa no que fazes, a recompensa que tens é darem-te mais trabalho", diz. "Na Grécia, arranja-se um emprego, mal pago, e fica-se com ele, rezando para não se ser despedido."

Vicky vai recebendo as informações de fora, via Facebook, email ou Skype: o namorado, a viver na Suécia, mudou de emprego (para lugares melhores) duas vezes nos últimos anos. "Não procurou sequer! Encontraram-no no Linked In [rede de contactos profissionais], e fizeram-lhe uma oferta" – alguém procurar um empregado directamente é neste momento um pensamento completamente estranho na Grécia. "Ou contratam pessoas conhecidas, ou põem anúncios – o último que vi num site tinha 1500 pageviews e tinha sido publicado nesse dia", nota.

Elissavet Korovessi, 32 anos, tem a mesma experiência. Mais: conta até que já lhe custa telefonar para responder a anúncios. "As pessoas que atendem o telefone já nem são bem-educadas. Devem receber tantos telefonemas..."

Vicky está a trabalhar num site em part-time, Elissavet não tem trabalho desde o Verão passado. As duas são um pouco diferentes. Vicky, de sombra verde-clara metalizada nos olhos, top branco com estrelas coloridas e uma flor rosa-choque a apanhar o cabelo, tem uma perspectiva um pouco mais optimista. Elissavet, com um top branco simples sobre calças largas estampadas, está sentada no seu quarto sem vontade de enfrentar o mundo e o calor lá fora. É alta, mas parece menos pela postura curvada, embora os braços a gesticular vão lembrando, de vez em quando, a sua verdadeira estatura – e que não está assim tão conformada.

Há outra diferença entre as duas que talvez explique porque uma está um pouco mais bem-disposta: Vicky ainda vive com os pais, num apartamento nos subúrbios norte de Atenas, Elissavet partilha um apartamento perto de Omonia, com tudo o que isso implica: não ter dinheiro para pagar as contas, sair e ver os vultos emaciados e cambaleantes de álcool e droga, lidar com "os imigrantes ilegais"... "Está a ficar insuportável."

Os planos de emigração das duas estão em graus diferentes de preparação, mas ambas estão decididas. Vicky vai para a Suécia, aproveitando ter lá o namorado. Vai estudar a língua, provavelmente tirar um segundo curso. "Talvez turismo", diz, pensando sempre num eventual regresso à Grécia. "Não vou para ficar a vida toda", garante.

Elissavet combinou ter um último trabalho na Grécia, no Verão, como supervisora de uma equipa de voluntariado. "Vai ser um modo de ter um pequeno rendimento e de dar algo ao meu país antes de me ir embora", explica. "Depois, tenho muitos amigos no estrangeiro, vou começar a bater a portas. Se alguma se abrir, vou." Está a pensar em Holanda, Bélgica. Trabalhos que tenham a ver com o que fez antes, supervisão, coordenação de equipas de limpeza profissional, secretariado. "Não há nada para mim aqui, e não me parece que volte a haver."

Nem para ela, nem para ninguém, diz. Desfia um rol de situações de amigos que "ainda" estão na Grécia: vários têm salários em atraso, especialmente em empresas privadas. "Um trabalha numa empresa naval e recebeu este mês uma parte do salário de Setembro." Quando conta este tipo de coisas a amigos de outros países, "especialmente os nórdicos", eles não acreditam. "Parece que é algo tão estranho que nem conseguem encaixar no seu mundo", comenta.

Vicky também tem amigos em situações precárias. "Há alguns que voltaram para casa dos pais. Casais com bebés que voltaram para casa dos pais – haverá algo mais deprimente do que isso?", questiona. Mas a maioria está a sair da Grécia. No seu último emprego, eram um total de cinco pessoas a escrever uma revista de viagens. "Três já foram para fora e dois estão a pensar ir", conta. "Ninguém quer ir. Mas não têm hipótese aqui. Aqui não nos podemos dar ao luxo de sermos ligeiramente ambiciosos. Temos de nos concentrar em sobreviver."

Na Grécia a taxa de desemprego vai atingindo recorde a seguir a recorde. Segundo dados ontem divulgados, o desemprego chegou a 22,6%, com 1,12 milhões de pessoas oficialmente sem trabalho. Entre os jovens, a situação é ainda pior: 52,7% de desempregados. Os cursos de línguas têm cada vez mais alunos, há seminários especiais para quem quer ir para a Austrália, que tinha sido já destino de emigração grega nas décadas de 1950 e 60.

Vicky ainda não disse aos pais que pensa emigrar. A irmã já está em Londres há vários anos, e ela preocupa-se com a reacção deles. Elissavet já contou à mãe que acabará por sair. "As famílias gregas são muito unidas", explica. "Mas os pais agora querem que os filhos vão para fora. Sentem o barco a afundar e não querem ver os filhos num naufrágio."

Numa coisa Vicky e Elissavet concordam: este não é um país onde se possa ter filhos. "Se fores uma pessoa racional, se pensares... não podes ter", diz Vicky. "Se decidires ter filhos, tens de fazer um plano – não para a situação como está agora, mas pior, porque tudo vai ser pior", sentencia Elissavet. "Agora não há alguns medicamentos. Os pais têm de estar preparados para o filho estar doente e não haver remédios para ele... E isso vai ser doloroso", antecipa.

Vicky e Elissavet voltam a ter opiniões diferentes quando se fala das eleições. Vicky já escolheu um partido para votar, o Syriza (Coligação de Esquerda Radical). "Temos de mudar, já toda a gente percebeu", defende. "Ninguém vai votar no PASOK, e poucos no Nova Democracia. Só os velhotes. Até há uma piada: no domingo, fechem os vossos avós em casa", diz a rir.

Elissavet não sabe se lhe apetece gastar os 12 euros que custa a viagem para a sua aldeia para ir às urnas. "Primeiro, porque tenho tão pouco dinheiro que me custa gastá-lo. Segundo, porque estou tão confusa que nem sei o que iria votar", confessa. "Só vejo dois cenários: um trágico e outro trágico. Não sei quais destes mentirosos iria escolher."

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