Ceagagê: nada se perde, tudo se transforma

Transformar, transformar, transformar. Pegar em peças esquecidas — daquelas que parecem nada ter para contar — e dar-lhes uma segunda oportunidade. A assinatura é de Cristina Homem de Gouveia

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É num atelier do Bairro Alto que a Cristina Homem de Gouveia se dedica à Ceagagê, a marca de design de acessórios e personalização de roupa em segunda mão, que nasceu em 2011. Criatividade sintonizada no máximo para dar uma nova vida ao que já teve outras vidas.

São muitas as franjas e são muitos os fios que se entrelaçam sem ordem definida nestas jóias. Uns passam por baixo dos braços, outros aparecem inesperadamente nas costas, como se abraçassem o corpo. Depois dos acessórios, as roupas, que compradas em segunda mão, são modernizadas.

É uma estética “depurada, complexa e identitária” como descreve a Cristina Homem de Gouveia, a designer de 26 anos por detrás da marca que tem um nome com as suas iniciais escritas por extenso: Ceagagê (CHG).

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Transformar é a palavra de ordem. Comprar peças de roupa antigas e esquecidas, daquelas que parecem já não ter nada para contar, e transformá-las para lhes dar mais valor. Desenhar os próprios acessórios e somar a essas roupas. Transformar, transformar, transformar e daí retirar exclusividade. É essa singularidade, inerente às peças que cria, que a levam a afastar-se do panorama que, segundo ela, pertence cada vez mais a uma “produção em massa”.

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O P3 perguntou-lhe o que é que a marca traz de novo. "O processo de criação individual acaba sempre por ser uma novidade, pelo menos durante algum tempo”, respondeu. A ideia não é “inventar” alguma coisa, mas sim “criar soluções que, por todos os motivos, não sejam viáveis à indústria” e que seja “transversal a vários níveis, nomeadamente, ao nível estético e financeiro”.

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Inspiração sem limites

Quando desenvolve peças por iniciativa própria tem mais liberdade para “experimentar novas técnicas e soluções, sem restrições”, uma liberdade que não tem quando o desafio é corresponder a uma encomenda que lhe impõe mais limites. O que não tem limites são as fontes de inspiração. “Tudo é passível de inspiração”, diz-nos, “todos os elementos que fazem parte da vida quotidiana”.

Tirou Design de Moda na Faculdade de Arquitectura de Lisboa e ao longo do curso teve experiências que a fizeram chegar até onde está hoje. Foi aderecista em bastidores e assistente em produções de moda e styling. Mas faltava qualquer coisa. Por vezes, sentia falta de peças que ainda não existiam. Precisavam de ser criadas e a Cristina criou-as.

“Iniciar a marca foi uma forma de pôr em prática aquilo que aprendi e viabilizar os meus projectos”, conta. Já ganhou o Triumph Inspiration Awards, concurso para o qual teve que desenhar e materializar uma peça de lingerie tendo em conta o tema “Shape Sensation”.

A conjuntura de crise não a desanimou, pelo contrário, tornou “inevitável” a decisão de se lançar no seu próprio rumo. “Pensei desde logo num projecto que não necessitasse de um grande investimento financeiro porque nunca ambicionei grandes apoios exteriores”, explica.

Não deixa de ser crítica relativamente ao panorama da Moda em Portugal e pensa que uma solução passa por “criar plataformas que possam dar oportunidade aos novos criadores”, acrescentando que é uma área que precisa de ser “reinventada a todos os níveis” e admitindo frustração por saber que “à partida, para se ter visibilidade profissional, tem que se pensar, necessariamente, em emigrar”.

Para a Cristina, o futuro representa a concretização de muitas ideias mas o mais importante é “evoluir e consolidar” a prática.

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