As Neves do Kilimanjaro

É inegável que o Cosmopolis de David Cronenberg, olhar entomológico sobre a crise mundial vista do interior de uma limusina de um dos “senhores do mundo”, é um objecto “do momento”. Mas, até para nossa surpresa, preferimos-lhe o mais recente filme do francês Robert Guédiguian, que partilha com ele a esquiva às demagogias baratas e traz a crise ao nível da classe média (e) baixa com igual pontaria mas muito mais emoção. Guédiguian, cujo cinema sempre se ancorou numa ideia de solidariedade de classe e de “amanhãs que cantam”, não deixou de acreditar na nobreza moral da classe trabalhadora nem nas conquistas sociais do século XX. Mas, em As Neves do Kilimanjaro, pergunta-se, de modo franco e desarmante, se elas ainda fazem sentido num mundo que mudou de modos imperceptíveis, ao fazê-las colidir com o fosso social que a recessão e os tempos modernos abriram. Dito assim, parece programático, quase filme de tese - e Guédiguian, filmando aqui de modo patudo e desinspirado, nunca foi exactamente um estilista - mas o trabalho em rendilhado dos actores (com um Jean-Pierre Darroussin soberbíssimo a alancar com o filme) e o classicismo da estrutura e da narrativa fazem com que seja tudo menos isso.

Sugerir correcção
Comentar