Um ano mirabilis para a rainha que voltou a ser pop

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Londres prepara-se para quatro dias de festa Foto: Chris Helgren/Reuters

A rainha Isabel II chamou a 1992 o seu ano horribilis, marcado por divórcios na família real, um incêndio no Castelo de Windsor e uma crescente irritação da opinião pública por causa dos privilégios fiscais (entre muitos outros) da coroa britânica. Duas décadas depois, a monarca está a desfrutar de algo completamente diferente: o seu ano mirabilis.

Um ano maravilhoso. As comemorações do jubileu de diamantes, ou seja, dos 60 anos de trono da rainha Isabel II, estão a atrair para Londres um milhão de pessoas para uma festa de quatro dias, com o arranque marcado para este sábado (veja aqui uma fotogaleria com os grandes preparativos da comemoração). Em termos de puro esplendor e pompa, a festa vai esmagar o casamento de seu neto William com Kate no ano passado.

A bordo de uma barca real, a monarca vai liderar um cortejo de 1000 embarcações ao longo do rio Tamisa, numa majestosa cena inspirada num quadro de Canaletto. A rede nacional de 2012 faróis será ligada em sua honra, para iluminar a costa desde as Highlands escocesas até às Channel Islands, já no canal da Mancha. Paul McCartney vai cantar para ela num megaconcerto à porta do Palácio de Buckingham. Elton John, internado com uma pneumonia em Las Vegas na semana passada, garante que também tocará para a rainha.

No entanto, a rainha está a fazer algo mais do que celebrar uma data que a coloca apenas a três anos de distância de se tornar o monarca britânico com mais anos de trono. Numa altura em que os erros de conduta do rei Juan Carlos deixaram a Espanha a avaliar seriamente a sua monarquia, Isabel II também está a marcar simbolicamente o renascimento da casa real britânica, que desafiou todas as probabilidades ao conseguir colocar a nação de novo sobre o seu encanto.

Para uma família que já foi descrita como a mais disfuncional da Grã-Bretanha, e num país onde os sinais de republicanismo eram reavivados ao ritmo das manchetes dos tablóides, a crescente popularidade dos monarcas britânicos deve-se ao que muitos observadores chamam um golpe de relações públicas. Embora o apoio à monarquia tenha sido sempre forte, uma nova sondagem da Ipsos Mori mostra que oito em cada dez britânicos querem manter a monarquia - o valor mais alto desde que estas sondagens começaram a ser feitas nos anos 1980.

Muitos consideram que o casamento que produziu as estrelas globais agora simplesmente conhecidas como Will e Kate foi o responsável por este impulso à Dinastia de Windsor, que conseguiu consolidar esses ganhos ao longo deste ano. Até mesmo o cinzento príncipe Carlos e a sua segunda mulher, Camilla, marcaram pontos junto da opinião pública.

A monarquia é "ela"

E, mais importante ainda, a geração mais jovem dos Windsor - incluindo aqueles associados pelo casamento, como é o caso de Pippa Middleton, irmã de Kate - emergiram como ícones da cultura pop, rivalizando com estrelas como Lady Gaga ou Rihanna. A sua fama, dizem os especialistas em monarquia, deu à imagem internacional da coroa britânica uma nova aura, como não se via desde o casamento de Carlos e Diana.

No entanto, a monarquia britânica é, hoje mais do que nunca, "ela", a rainha. "Aos 86 anos, a rainha está a viver o seu regresso ao estrelato", disse Dickie Arbiter, o ex-porta-voz de Isabel II.

Embora tenha sido publicamente criticada pela sua inacção inicial depois da morte de Diana em 1997, a rainha tem sido quase sempre vista como a cola que mantém unida a nação e como o elo de ligação mais forte com os países da Commonwealth, onde continua a ser chefe de Estado e onde a Grã-Bretanha mantém a sua influência. A rara ocasião do 60.º aniversário de um reinado - só a rainha Victoria chegou tão longe - parece ter focado as atenções britânicas numa mulher que definiu uma era.

Os jornais, tanto à direita como à esquerda, prestam-lhe homenagens de várias páginas e muitas capas. As cidades, grandes e pequenas, estão engalanadas com bandeiras para mais de 10 mil festas de rua. Nas lojas encontra-se de tudo para marcar a data, desde roupa interior retro até champanhe das melhores colheitas. Andrew Lloyd Webber escreveu-lhe uma canção. E o país ganhou dois feriados extra.

E tudo isto em honra de uma mulher que, à nascença, tinha ínfimas hipóteses de algum dia chegar ao trono. A filha de Jorge VI, que se tornou rei depois do seu irmão Eduardo VIII ter abdicado para se casar com Wallis Simpson, uma americana divorciada, foi coroada no dia 2 de Junho de 1953. Os poderes da monarquia há muito que tinham diminuído e ela iria assistir, impotente, ao ocaso do império britânico.

No entanto, ao lado do seu marido, príncipe Filipe, Isabel II iria manter-se como um símbolo da realeza desde os primeiros sobressaltos da Guerra Fria até à chegada à Lua, desde o nascimento dos Beatles até à morte de Amy Winehouse, desde a ameaça constante do IRA até aos atentados de Londres levados a cabo por extremistas islâmicos.

"Reconhecemos, cada vez mais, a rainha como uma figura independente que nos une a todos e como a única constância das nossas vidas ao longo dos últimos 60 anos", explica o biografo real Robert Lacey.

Para celebrar o jubileu, o Palácio de Buckingham lançou uma ofensiva de charme com a rainha a fazer uma tournée nacional ao longo dos últimos meses, juntando multidões à sua passagem que fariam inveja a qualquer estrela rock na idade da reforma. A ocasião, dizem os comentadores, também está a servir para iniciar o processo de sucessão. Isabel II enviou a realeza mais jovem em visitas nacionais e internacionais, com o objectivo de espalharem aos quatro ventos o gospel da Dinastia de Windsor.

Os sucessores

O príncipe Carlos, o próximo na linha de sucessão, corre o risco de se tornar cool depois de uma aparição hilariante como meteorologista convidado na BBC e uma actuação com DJ ao lado de jovens canadianos em Toronto. Até Camilla, ainda objecto de críticas por parte dos indefectíveis de Diana, marcou pontos quando visitou as filmagens da popular série The Killing ao lado da princesa Maria da Dinamarca.

O príncipe Harry, que era presença assídua nas capas dos tablóides pelas piores razões, está hoje reabilitado perante a opinião pública britânica e também desempenha a sua parte no dossier de visitas oficiais, a mais recente das quais foi uma bem sucedida passagem pelo Brasil e pela Jamaica. E a arma secreta do palácio real, o casal William e Kate, inicia um grande périplo pela Ásia e o Pacífico Sul neste Outono.

Embora seja uma firme defensora da tradição, a rainha já mostrou que, este ano, é capaz de quebrar um bocadinho as regras, fazendo uma aparição oficial pública ao lado de Kate e Camilla, o que vai contra as "leis" do protocolo. O gesto foi lido como a rainha a preparar a opinião pública para as futuras habitantes do Palácio de Buckingham.

Uma sondagem publicada no início desta semana mostra que 40% dos britânicos gostariam que William fosse directamente para o trono, saltando por cima do seu pai, Carlos. Há um ano, essa percentagem era de 46%. Seja como for, ninguém acredita que Carlos desista do trono e poucos prevêem uma crise sucessória. Os observadores atribuem os créditos desta estabilidade a uma rainha que, ao longo de seis décadas, conseguiu popularizar a noção arcaica de monarquia numa nação progressista.

"Ela esteve sempre na minha vida", disse Sean Brushett, um estudante de Direito de 19 anos que esperou horas à chuva para ver Isabel II durante uma visita recente que fez ao sul de Londres. "É difícil imaginar que ela um dia se vai embora. A rainha é a maior celebridade do mundo".

EXCLUSIVO PÚBLICO/ THE WASHINGTON POST
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