Orelha Negra

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A sugestão estava lá de diversas formas: o logótipo em homenagem à mítica editora Stax – sala de partos para muita da mais brilhante música soul –, a robustez instrumental de uma sonoridade encostada precisamente à soul e ao funk que lembrava o combo maravilha de Booker T. & the M.G.’s, os teclados a libertarem vapor de tão escaldantes e os baixos a pulsarem como se as colunas fossem uma prisão da qual era imperativo escapar.

Esta sombra de Booker T., como referência inevitável da banda residente da Stax (que gravou os fundos sobre os quais as vozes de Otis Redding, Carla Thomas, Rufus Thomas ou Wilson Pickett derramavam as suas vozes de uma crueza adocicada), era tão palpável que se infiltrava em qualquer foto de família do grupo. Dois anos depois do primeiro disco homónimo, a referência de Booker T. (mais do que os Funk Brothers — mesmas funções, sede na Motown) assume-se agora de uma outra forma: aquilo que sempre foi imediatamente cativante na trituração de soul/ funk/hip-hop/r & b nos Orelha Negra iniciais chega-nos agora como uma massa sonora de tal forma rotinada e sólida que somos apanhados por um efeito avalancha, arrastados por uma máquina de groove impiedosa, que nos obriga ao abandono físico. Ao mesmo tempo, o quinteto conquistou outros territórios para o seu domínio, citando (literalmente ou em termos de espírito) Prince, The Doors, tropicalismo, psicadelismo à Sun Ra. Nalguns momentos, ouve-se até um eco não tão distante assim da obra-prima de hip-hop instrumental que Armando Teixeira assinou no projecto Bulllet – The Lost Tapes; noutros, há por aqui a capacidade de, com recurso a samples, inventar canções irresistíveis como "Luta", "24/7" ou "No ar". Deve ser isto que ouvem os criativos publicitários para se lembrarem de slogans como “cuide bem do seu corpo”. Isto só faz bem.

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