"O cinema em Portugal está parado"

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Miguel Gomes está preocupado com a situação de "bancarrota total do ICA" Dario Cruz

Profissionais querem discutir com Passos Coelho sobrevivência do cinema em Portugal.

Nem de propósito. No dia em que actores, realizadores e produtores se reuniram em Lisboa para debater o cinema português, que dizem estar numa "situação dramática", sobretudo por causa da falta de financiamento e de "atrasos sucessivos" numa lei nova que até agrada ao sector, ficou a saber-se que Gonçalo Tocha ganhou mais um prémio internacional com "É na Terra não É na Lua". O filme sobre a ilha do Corvo foi considerado o melhor documentário no festival de São Francisco, depois de uma menção honrosa em Locarno e de outro primeiro prémio em Buenos Aires. 

Boas notícias num dia em que o cinema português discutia a sua sobrevivência e em que os produtores Pedro Borges (Midas) e Luís Urbano (O Som e a Fúria), que organizaram o encontro no Cinema São Jorge, acusaram o Governo de não saber o que quer do sector e anunciaram que vão pedir uma audiência a Pedro Passos Coelho. "A Secretaria de Estado da Cultura [SEC] tem andado numa deriva", disse Urbano. "Este secretário de Estado não manda nada e o que é preciso é falar com quem manda, que é o primeiro-ministro."

O reconhecimento internacional do cinema português tem sido muito forte nos últimos meses com prémios para Miguel Gomes ("Tabu") e João Salaviza ("Rafa") em Berlim e para João Canijo em San Sebastián, Miami e Linz, mas isso não significa que não esteja sem grandes perspectivas de futuro. 

"Quem olha de fora acha que o nosso cinema está com saúde, mas isso não é verdade - está a morrer", disse ao PÚBLICO Luís Urbano, pouco antes deste encontro que foi precedido de um "Ultimato ao Governo", assinado por 21 profissionais do cinema, entre eles Manoel de Oliveira, João Botelho, João Canijo, Manuel Mozos e Pedro Costa. "Chegámos ao limite. Não é possível contrair mais empréstimos pessoais ao banco nem continuar a pedir às equipas que trabalham connosco e aos fornecedores que esperem para receber", garante o produtor, que tem neste momento vários projectos a aguardar financiamento, um deles dependente apenas da homologação da SEC.

Francisco José Viegas é, aliás, um dos principais alvos de críticas. Pedro Borges, produtor de "Sangue do Meu Sangue", de Canijo, diz que está preocupado com o facto de o sector não conhecer a versão final da proposta da Lei do Cinema, que prevê, na sua opinião "justamente", que o financiamento seja partilhado entre o Estado e as televisões (resultante da taxa sobre os lucros da publicidade). "Sabemos que é da RTP, e não das privadas, que têm partido mais críticas", disse Borges. 

Antes do debate, Canijo defendera no São Jorge que "o cinema português está a caminho da indefinição total" e admitia que tem vivido de prémios: "Não faço ideia como vou continuar quando esse dinheiro acabar." 

Miguel Gomes está preocupado com a situação de "bancarrota total do ICA", mas garante que a questão de fundo é política: "O cinema em Portugal está parado porque o Governo não tem uma ideia, uma vontade forte. Há um esvaziamento de responsabilidades, o secretário de Estado não toma medidas e contradiz-se permanentemente." 

Num esclarecimento às redacções, o gabinete de Viegas disse que, terminado a 30 de Abril o prazo de consulta pública do novo diploma, o processo está agora na fase de incorporação dos contributos do sector. Rejeitando que tenha havido qualquer atraso, o breve comunicado acrescenta que a proposta deverá ser levada a "apreciação interministerial na próxima semana", prevendo-se que o processo legislativo esteja concluído até ao final de Junho. 

Luís Urbano diz estar farto de promessas e de receber os parabéns de políticos pelo sucesso de "Tabu". "O sacrifício que está a ser imposto ao cinema português é a morte e eu não quero morrer."
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