Projecto Es.Col.A: um rio que não pode parar

Aquela escola, até agora viva e dinâmica, voltou assim — por força da intervenção policial — a ser um local ermo, triste, vazio e degradado. Sem alma, sem gente, sem cor

Nelson Garrido
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A última diligência da Polícia Municipal do Porto na Escola da Fontinha teve notoriamente como intenção pôr um fim às pretensões de todos quantos tencionavam continuar a utilizar aquele espaço em benefício da comunidade: no passado dia 26 de Abril (apenas um dia depois da reocupação da escola pelo colectivo Es.Col.A), as instalações eléctricas foram arrancadas, as canalizações destruídas, as portas e as janelas foram substituídas por tijolos e buracos.


Tudo isto tornou inutilizável um espaço onde, até há bem pouco tempo, miúdos e crescidos trocavam experiências e se enriqueciam mutuamente. Aquela escola, até agora viva e dinâmica, voltou assim — por força da intervenção policial — a ser um local ermo, triste, vazio e degradado. Sem alma, sem gente, sem cor. A Câmara Municipal do Porto está reapossada do seu imóvel e a população do Bairro da Fontinha está, de novo, largada à sua sorte.


Não creio que a atitude autista da edilidade possa ser vista, por quem quer que seja, como prossecução do interesse público. Não é possível que alguém, em sã consciência, considere que uma escola ao abandono e em degradação permanente satisfaz melhor as necessidades dos cidadãos do que o desenvolvimento, num espaço que é de todos e foi criado para todos, de um projecto comunitário de ajuda à população.


O colectivo Es.Col.A poderá não ter cumprido, em todos os momentos deste processo, a mais estrita legalidade. O movimento poderá ter uma composição e uma organização que, à primeira vista, causam estranheza. Tudo isso pode discutir-se. Mas as questões formais não podem sobrepor-se à substância dos actos praticados. O colectivo Es.Col.A e as suas actividades trouxeram ao Bairro da Fontinha e aos seus habitantes uma consciência social, uma cultura ecológica, o cultivo da partilha gratuita de conhecimento e de experiência. Tudo isto faz parte do núcleo de valores que transforma os homens em verdadeiros seres humanos.

Por isso, o emparedar da Escola da Fontinha não pode significar o ruir deste sonho. Este movimento, iniciado por uns poucos, ganhou força, consistência e dinâmica. O projecto cresceu, extravasou as paredes daquela escola e abraçou, de forma despreconceituosa e inclusiva, todos quantos moram no Bairro da Fontinha. O seu lastro chegou aos outros bairros do Porto e, neste momento, já alcança todo o país, numa onda solidária de apoio àqueles que, recusando resignar-se e sem sujeição a regras pré-estabelecidas, desejam e lutam pela construção de uma sociedade civil mais interventiva, mais solidária, mais fraterna.


Nos olhos de muitos com quem me cruzei na Assembleia popular de 20 de Abril, vi o brilho do inconformismo, vi a centelha da esperança, vi a força da resiliência. O Projecto Es.Col.A é — este sim — um rio que não pode parar. Até ao mar. Até que todos sejamos inundados. Incluindo os que teimam em permanecer na margem. Eu acredito nisto. Eu apoio o Projecto Es.Col.A.

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