Mourinho já arranjou o “inimigo externo” e o Barça que se cuide

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Em poucos dias, José Mourinho viu esfumarem-se quatro dos dez pontos que o seu Real Madrid tinha de vantagem sobre o Barcelona. Dispararam os alarmes madridistas, até porque os seis pontos que restam deixaram de ser tranquilizadores para quem tem ainda de ir à Catalunha defrontar Messi e C.ª. Mas a forma como o Real acabou por consentir o empate no terreno do Villarreal é capaz de vir a transformar-se no factor estimulante que Mourinho andava à procura para a recta final da Liga espanhola.

Depois de Cazorla ter estragado o resultado nos instantes finais do jogo com o Granada, o veterano Marcos Senna repetiu a situação e impôs o segundo empate consecutivo ao Real. A falta que deu origem ao livre do golo do Villarreal (Casillas foi mal batido) não existiu, mas também é verdade que, antes, o árbitro já tinha perdoado dois penáltis ao Real Madrid, por agarrões de Arbeloa a adversários na grande área.

Em consequência dos protestos, foram expulsos Mourinho, Sergio Ramos, Özil e Pepe (este já no túnel). Antes do lance, já Rui Faria, ainda e sempre o braço direito de Mourinho, tinha sido expulso, o que acontece pela quarta vez em apenas quatro meses.

Após o golo do empate, o Real tinha ainda oito minutos pela frente para tentar voltar a ganhar vantagem. Não os aproveitou. Deu mesmo a ideia de não acreditar, entrando numa espiral nervosa. Na “Marca”, Santiago Segurola escreveu que “foi uma equipa em combustão, em lugar do líder frio que se espera em situações deste género”. E “muita da responsabilidade pertence ao seu técnico”. Porque “todo o Madrid estava em combustão, mas ninguém mais do que o seu treinador”.

Mourinho não costuma, de facto, servir para ajudar a controlar ou a extinguir os incêndios. É mais normal vê-lo a acender o rastilho ou a deitar gasolina no que já arde. De resto, a própria “Marca” revelava ontem que o Real já teve 23 jogadores expulsos desde que é treinado pelo “Special One”. Isto em apenas uma época e meia... Só Pepe e Sergio Ramos já viram o cartão vermelho por quatro vezes cada um. Esta realidade, incluindo o “poker” de expulsões de Rui Faria, não pode ser dissociada da pressão imposta pelo treinador: no balneário, no “banco” ou em frente aos jornalistas. As palavras e os actos de Mourinho raramente são vistos como bons exemplos. E Mourinho nunca tentou inverter essa imagem.

E quem o conhece sabe que Mourinho estará disposto a fazer transformar a polémica arbitragem de Paradas Romero como o inimigo exterior que é preciso combater. E que tudo irá fazer para convencer as suas tropas da necessidade de se manterem mais unidas e avisadas do que nunca. É bem provável que isso lhe venha a valer uma ponta final de Liga quase limpa de escorregadelas (completamente limpa é inverosímil, porque ainda tem de jogar em Barcelona), o que seria suficiente para lhe garantir o título.

Pep Guardiola tinha anunciado a desistência da corrida quando o atraso era mais gordo. Independentemente de ser sido uma declaração verdadeira ou puramente estratégica, a verdade é que o Barcelona reentrou mesmo na disputa do título. E, a priori, até tem a seu favor o calendário algo mais favorável, porque só terá de visitar Maiorca, Saragoça, Levante, Rayo Vallecano e Bétis. Além da visita à Catalunha, o Real terá que lidar com as viagens ao Osasuna, Atlético de Madrid, Athletic de Bilbau e Granada.

Um pormenor que pode ser relevante se levarmos em conta que foi em campo alheio que o Barcelona perdeu quase a totalidade dos 18 pontos que leva desperdiçados (em Camp Nou só consentiu um empate frente ao Sevilha). Depois do desaire em Pamplona, a crítica secundou a opinião de Guardiola, mas houve no balneário catalão quem não entregasse os pontos. Foi o caso do capitão Puyola: “Não somos máquinas que se ligam e desligam e não nos vamos apenas centrar na Taça do Rei e na Liga dos Campeões”. Na mesma altura, Alex Ferguson esqueceu um pouco os problemas do seu Manchester e também abordou a corrida espanhola: “Continuo a achar que o Barcelona é a melhor equipa da Europa, ainda que o Real esteja a encurtar distâncias. Muito em breve poderão estar ao mesmo nível, mas neste momento o Barcelona tem uma capacidade mágica de jogar que está acima dos outros. Quando o Messi, o Xavi e o Iniesta estão em sintonia, são imparáveis”.

A questão é que, como escreveu Ramon Bessa no “El País”, o Barcelona foi-se convertendo nos últimos tempos “numa equipa selectiva”. Ou seja, mede os seus esforços e reparte os seus recursos, o que costuma ter efeitos nefastos numa competição tão regular como é a Liga espanhola.

Em resultado disto, o Barcelona perdeu tensão competitiva e Guardiola deve ter sentido dificuldades em motivar jogadores que tornaram a palavra ganhar numa rotina. Os “azulgrana”, que sempre se distinguiram pela capacidade de jogarem no campo adversário, mostraram-se, a certa altura, “muito mais contemplativos”, até em resultado do desgaste acumulado e do plantel curto.

Nessa altura, Ronaldo até seguia mais protagonista do que Messi e o Real parecia ter compreendido que a Liga não tinha de ser um corpo a corpo directo com o rival, combate que lhe trouxe quase sempre marcas negras. Discutiu-se então se o Barcelona teria perdido o apetite e se estaríamos na presença de uma crise momentânea ou do declínio daquela que já é para alguns (nós incluídos) a melhor equipa de todos os tempos.

Mas era claramente exagerada a notícia da falência de uma equipa que, esta época, apenas sofreu duas derrotas em cerca de 50 jogos. Com os jogadores sempre do seu lado, Guardiola manteve-se coerente aos seus princípios e acabou por saber tirar partido das falhas do Real e também dos méritos daquele que ele próprio aponta como “o melhor, absolutamente”. “[Messi] consegue fazer tudo e fá-lo a cada três dias. Sinto muito por todos os que procuram ocupar o seu trono, mas este rapaz é distinto, é o melhor, e estamos muito contentes por o ter”. Se isso chegará para garantir a renovação do título logo se verá, até porque Mourinho costuma recompor-se e reagir rápido... bprata@publico.pt


Bielsa faz treinadores corarem de vergonha

Tratado por “El Loco”, o argentino Marcelo Bielsa é uma figura polémica e nada consensual, mas que acaba por cair quase sempre no goto dos que gostam verdadeiramente de futebol. Pelas conquistas e pela coragem e argúcia das equipas que treina. Também pelos métodos, muitas vezes pouco ortodoxos, e pelas declarações desassombradas. Foi o que aconteceu este fim-de-semana, após a derrota (2-1) do seu Athletic de Bilbau no estádio do Atlético de Madrid. “Sinto-me especialmente responsável por esta derrota. É um dos jogos em que me sinto mais culpado em toda a minha carreira. As decisões que tomei não resolveram o que eu pretendia resolver e debilitaram o que estava sólido”. O Bilbau segue num bem confortável nono lugar, a pouca distância dos lugares europeus, está apurado para a final da Taça do Rei (com o Barcelona) e vai jogar os quartos-de-final da Liga Europa com o Schalke 04. Nada mau para um clube com um orçamento apenas mediano e que não abdica de jogar só com bascos. Até por isso, Bielsa deu uma lição de humildade que faria corar muito boa gente. Incluindo vários treinadores portugueses...
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