Coriolano

Adaptar Shakespeare ao cinema é sempre um bicho de sete cabeças. Pela razão evidente de que a linguagem do bardo de Stratford-upon-Avon era pensada para as limitações do palco e para a presença dos actores, transcendendo pelo puro poder das palavras a incapacidade da reprodução dos cenários ou dos figurinos; mas também porque a marca temporal nascida do arcaísmo dessa linguagem resiste teimosamente às tentativas de modernização.


Coriolano, uma das mais problemáticas tragédias de Shakespeare, não facilita as coisas, o que torna a adaptação de John Logan (argumentista de Gladiador e A Invenção de Hugo) e Ralph Fiennes (na sua estreia na realização) numa tentativa honrosa e inteligente de manter a sua integridade ao mesmo tempo que a torna relevante para os nossos dias.

A história de Caio Márcio, o herói de guerra que, empurrado para a duplicidade dos jogos políticos, reage do único modo que sabe e pode, é transposta do Império Romano para um estado fictício de uma Europa balcanizada, usando os media como inteligente “coro grego”, mantendo intacta a dimensão política da peça para melhor trazer ao de cima a tragédia humana de um homem que se descobre peão em jogos que julgou dominar mas onde não passa de um principiante.

Fiennes, cuja intensidade assustadora no papel de Caio Márcio ancora o filme de modo impressionante, constrói uma meditação uniformemente inteligente sobre o poder e a honra que sublinha a actualidade da história sem perder os floreados da linguagem shakespeareana, mas não evita uma certa sisudez de realizador principiante. Mas, se o elenco (onde pontuam igualmente Gerard Butler, de regresso às suas origens no teatro, Brian Cox e Jessica Chastain) é uniformemente brilhante, não podemos deixar de destacar a arrasadora performance da divina Vanessa Redgrave na matriarca Volúmnia. E o prazer de ver bons actores a ferrar o dente num filme que não os trata mal não é, hoje em dia, nada que se desdenhe.

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