O futebol na Índia vai ter o seu Bollywood

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Os nomes mais conhecidos do futebol internacional têm muitos fãs na Índia Foto: Jayanta Shaw/Reuters

O poder financeiro dos milionários indianos está apostado em lançar uma liga de futebol verdadeiramente profissional na Índia, que ocupe o espaço da actual débil I League. O protótipo é um torneio com seis equipas, conhecida como Premier League Soccer, que contará com antigas estrelas do futebol mundial. O italiano Fábio Cannavaro, o argentino Hernan Crespo, o francês Robert Pires, o inglês Robbie Fowler, o nigeriano Jay Okocha e o treinador português Fernando Couto são algumas das estrelas da nova Liga, que se disputará durante sete semanas. Todos pagos a peso de ouro. O argentino vai receber mais de 600 mil euros no Barasat e o português arrecadará 183 mil euros para orientar a formação de Howrah.

A prova já recebeu a aprovação da inicialmente reticente Federação Indiana de Futebol e os responsáveis do novo projecto, o Celebrity Management Group, esperam a médio prazo conseguir concorrer com a Liga de críquete, a modalidade mais popular no país, que, neste momento, movimenta mais de 2,8 mil milhões de euros.

O plano, porém, já sofreu contratempos. Inicialmente, estava previsto que a prova decorresse entre 25 de Fevereiro e 8 de Abril, mas acabou por ser adiada para 24 de Março para permitir a cada uma das seis equipas (todas pertencentes ao estado de Bengala Ocidental) concluir as condições necessárias. Além disso, a formação da cidade de Haldia, nos últimos momentos, esteve em risco de não participar, acabando por ser adquirida por novos proprietários. Mas agora tudo corre sobre rodas. “Começamos com estas equipas, mas já fui abordado para expandir a liga a outras partes do país. Penso que seremos uma forma de impulsionar o futebol indiano, motivar os jovens e sair do 158.º lugar do ranking da FIFA”, explicou o director do grupo organizador, Bhaswar Goswami.

O treinador Manuel Gonçalves Gomes, conhecido por professor “Neca”, que se encontra desde 2010 a trabalhar na I League indiana, disse ao PÚBLICO que este evento já conseguiu um primeiro objectivo, que foi o de colocar o futebol em força nos meios de comunicação social. Mas tem muitas dúvidas quanto à capacidade deste projecto aumentar imediatamente a capacidade competitiva do futebol indiano. “Isto é organizado por patrocinadores com muita capacidade para os negócios, mas pouca visão para o futebol. Só pensam em dinheiro. O críquete já é caro e entendem que está na hora de lançar o futebol. Mas colocar grandes ex-estrelas a jogar com jogadores sem grande qualidade só poderá ter como aspecto positivo a motivação dos mais jovens, o que poderá trazer resultados a longo prazo”, explicou, adiantando que a Índia tem imensos consumidores (é o segundo país mais populoso do mundo, com cerca de 1,2 mil milhões de pessoas).

Ordenados milionários

O futebol indiano, explica “Neca”, está cerca de 30 anos atrasado em relação ao português. Os clubes pertencem a famílias ou empresas. “Uma equipa de topo da I League, correspondente à nossa I Liga, está ao nível de uma equipa média da II Liga portuguesa. Estamos a falar de uma prova que tem meia dúzia de anos e está a dar os primeiros passos”, explicou. Mas o grande problema é a formação, que praticamente não existe, e os métodos de treino, que são rudimentares. “Treinadores estrangeiros só estou eu, um marroquino e um inglês e existem cerca de 50 jogadores estrangeiros, sobretudo nigerianos. Têm bons estádios e os jogos mais importantes já são transmitidos em directo pelo canal que transmite as principais ligas europeias, mas há uma enorme resistência à inovação”, diz o técnico português.

A tradição parece ser mesmo um obstáculo. A forma como os proprietários dos clubes encaram o futebol levaram o “Neca” a abandonar o Churchill Brothers, deixando de orientar a equipa, embora essa notícia ainda não seja oficial. “Justificam a minha ausência com uma alegada doença. Acreditam que posso voltar atrás, mas a minha decisão está tomada. Os proprietários do clube intrometeram-se na minha área, querem controlar tudo, as tácticas, a forma como decorrem os treinos e mesmo os aspectos técnicos”, explicou, admitindo assinar por outro clube do país que considera um local fantástico e onde os salários são pagos a tempo e horas. Os melhores jogadores e treinadores recebem entre os 11 mil e os 22 mil euros mensais, enquanto os jogadores locais de selecção ganham entre os sete e os 14 mil euros. “É uma fortuna neste país, daí que grande parte dos jogadores ganhe muito pouco. Com 200 euros aqui pode-se fazer muita coisa”, acrescentou.

Clubes europeus atentos

A liga normal conta com duas zonas geográficas em que o futebol recolhe muitos adeptos: Goa e Calcutá (capital quando os ingleses dominavam o país). Na prova participam 14 equipas. Só podem ter quatro estrangeiros no plantel e três em simultâneo em campo. “E os estádios estão normalmente com muitos adeptos, com uma média superior a três mil pessoas. O confronto entre o East Bengal e o Mhun Bagan, porém, chega a ter 100 mil pessoas no estádio”, contou “Neca”. Curiosamente estas duas últimas equipas rivais, ambas da cidade de Kulkata, pertencem ao multimilionário Vijay Mallya, de 54 anos, proprietário de vários negócios, entre eles a cerveja mais popular da Índia e que, recentemente, comprou o Blackburn Rovers por cerca de 50 milhões de euros.

“É como digo. Só pensam em dinheiro e a Índia tem um mercado enorme”, concluiu o técnico português. E esse mercado já entrou nos planos dos grandes clubes europeus, como o Manchester United, que oficializou a criação de uma escola de futebol na Índia, para jovens dos oito aos 18 anos, um percurso seguido pelo Chelsea, Liverpool ou Barcelona. A aposta está a dar frutos e estima-se que 60 milhões de indianos já acompanhem regularmente pela televisão a Liga inglesa.


Detalhes da prova

- O torneio segue o mesmo percurso da Major League Soccer dos EUA, Japão, Qatar e China. Conta com seis equipas e será disputado durante sete semanas em Bengala, na região leste do país. Primeiro haverá uma pequena liga com partidas em quatro dias da semana. Depois, será disputada a fase final com os quatro melhores classificados da fase inicial.

- As cidades de Calcutá, Barasat, Howrah, Haldia, Durgapur e Siliguri serão as sedes das equipas e será dos seus orçamentos que serão pagas as despesas relativas a todos os aspectos logísticos e promocionais, entre eles a renovação dos estádios. Todas as formações pertencem ao estado de Bengala Ocidental, o quarto com mais população do país.

- As antigas estrelas internacionais foram leiloadas em Calcutá. Hernán Crespo foi o mais solicitado e assinou pelo Barast com um salário de 640 mil euros. Fabio Cannavaro vai ganhar 630 mil euros no Siliguri. Robert Pires receberá 600 mil euros do Howrah. O português Fernando Couto irá ganhar cerca de 183 mil euros para orientar o Howrah.

- As cinco equipas (Haldia não participou no leilão) gastaram mais de cinco milhões de euros em estrelas. Cada uma delas garantiu os serviços de dois estrangeiros e um treinador.

- Cada equipa tem um orçamento salarial que não poderá superar 1,9 milhões de euros e não poderá pagar mais do que 457 mil euros a um atleta. Cada plantel terá no máximo quatro estrangeiros e obrigatoriamente seis futebolistas indianos sub-21.

- O Celebrity Management Group garantiu por 30 anos, junto da federação indiana, a organização da prova.

- O preço dos bilhetes para os jogos é de dois euros, pouco quando comparado com os números europeus, mas mais elevados do que os praticados na I Divisão Indiana.

- Os responsáveis estão a negociar os direitos de transmissão dos jogos.
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