Governo cubano quer "mudança de mentalidades" mas "sem grandes ilusões"

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As mudanças serão feitas "ao nosso ritmo, para evitar erros" Reuters

Pela primeira vez na sua história, o Partido Comunista de Cuba (PCC) vai estar reunido para uma conferência. Será um passo para a modernização do partido e para uma "mudança de mentalidades", diz o regime. Mas o Presidente Raúl Castro já avisou também que ninguém deve ter "grandes ilusões" sobre abertura política.

"Ou mudamos, ou afundamo-nos, e afundamo-nos com os esforços de gerações inteiras", explicou Raúl Castro quando anunciou a realização desta conferência, que se realiza hoje e amanhã e que será o primeiro congresso extraordinário desde que o seu irmão Fidel Castro fundou o PCC, em 1965.

Os "erros" do passado têm de ser corrigidos e a corrupção, a burocracia e a inércia combatidas, cita a AFP. Ou seja, é preciso mudar, para garantir a sobrevivência do socialismo cubano.

Em cima da mesa está, por exemplo, a limitação do tempo que os dirigentes podem ficar no poder: dois mandatos de cinco anos cada, incluindo para o próprio líder, que, aos 80 anos, é presidente do Conselho de Estado, do Conselho de Ministros e primeiro-secretário do PCC, um partido com 800 mil militantes (num país com 11,2 milhões de pessoas).

Castro lamenta que Cuba não tenha conseguido preparar uma nova liderança para suceder à geração dos "históricos" que fez a revolução de 1959. Mas reconhece a necessidade de sangue novo. Dos 15 membros do politburo do PCC, eleito em Abril do ano passado, apenas três têm menos de 65 anos.

"A renovação e a democratização interna do partido é o grande desafio de Raúl Castro, o que poderá decidir o sucesso do seu mandato", afirmou no início do mês um grupo de intelectuais e artistas cubanos, citado pela AFP.

Há ainda uma proposta para o "desenvolvimento de um jornalismo de investigação que permita ultrapassar a autocensura, a linguagem burocrática e adocicada, a facilidade, a retórica, o triunfalismo e a banalidade", que, segundo Castro, reinam nos media cubanos, todos eles oficiais.

A agência francesa adianta que uma outra iniciativa defende que se "tire partido das tecnologias da informação e das comunicações para expor a imagem de Cuba com toda a sua veracidade".

Este encontro de dois dias surge como uma sequência do VI Congresso partidário que, em Abril passado, adoptou cerca de 300 medidas para a reforma económica da ilha, destinadas a "salvar o país da bancarrota" - palavras do próprio Raúl Castro.

Conferência e paciência

Ao longo destes dois dias, a liderança cubana vai procurar "aperfeiçoar" as reformas adoptadas há nove meses.

No ano passado, aprovaram-se medidas para facilitar a iniciativa privada; os agricultores passaram a poder arrendar terras do Governo e a vender os seus produtos directamente aos locais turísticos; pela primeira vez, desde 1959, foram autorizadas vendas privadas de automóveis.

O Governo concedeu empréstimos para a expansão de pequenos negócios ou reparações de casas. Resultado: o país duplicou o número de trabalhadores por conta própria para mais de 364 mil, em finais de 2011, refere um artigo publicado pelo grupo de análise Americas Society (EUA).

O Presidente admitiu a 12 de Janeiro que as reformas económicas avançaram "com muitas dificuldades". E recomendou que se evitassem "grandes ilusões" sobre esta conferência, porque as mudanças serão feitas "ao nosso ritmo, para evitar erros".

Mas num país que foi classificado pela Human Rights Watch como o único da América Latina "que ainda reprime praticamente todas as formas de oposição política", as expectativas não chegaram a ser elevadas.

Yoani Sánchez, uma das mais populares bloguistas do país e crítica do regime, escrevia há dias um post intitulado Conferência rima com paciência. Falava do cepticismo face ao futuro e a "escassa expectativa que os cubanos manifestam em relação ao encontro". Adianta que "os poucos comentários se reduzem à certeza de que ‘isto não vai mudar nada’”.

Para Yoani Sánchez, "o mais improvável, mas o mais desejado, é que nesta conferência a preocupação pela nação estivesse acima dos interesses partidários. Mas isso seria pedir ao PCC que se suicidasse... e não vai fazê-lo".

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