A construção do mito

Filme simpático, profissional, clássico, com excelentes interpretações de um elenco de luxo - mas mais interessado em perpetuar o mito do que em revelar a pessoa por trás dele

Tudo aponta para que “A Minha Semana com Marilyn” queira ser o “Discurso do Rei” versão 2011 - um filme competente, profissional, clássico, um tudo-nada anónimo, elevado pelas forças do marketing em que o produtor Harvey Weinstein se especializou a candidato ponta-de-lança aos Óscares. Isso apenas torna mais digna de crédito a despretensão e o profissionalismo que tornam a primeira longa-metragem de Simon Curtis (também ele formado na escola da televisão britânica) num filme simpático e perspicaz que tem uma noção exacta do que se esconde por trás da grande ilusão do mundo do cinema.

Inspirado num “fait-divers” da carreira de Marilyn Monroe - a rodagem em Inglaterra de um dos seus filmes menores, “O Príncipe e a Corista”, e a paixoneta de um jovem assistente de produção pela vedeta americana - o filme conta uma história algo convencional que combina o romance iniciático do primeiro amor e do primeiro embate com a vida real com o “glamour” do Novo Mundo que fascinava uma Inglaterra ainda em ressaca da guerra. Tudo, evidentemente, feito com a impecável reconstituição de época e profissionalismo a que os ingleses nos habituaram.

Mas este é também um filme que se deixa seduzir pelo mito de Marilyn como “garotinha perdida”, mulher insegura ciente das suas fraquezas e das suas forças, à qual Michelle Williams empresta uma tocante vulnerabilidade e uma verdadeira espessura dramática. Apenas a espaços, contudo, sentimos haver aqui gente verdadeira - apenas mitos em movimento tratados como tal (quer sejam uma Marilyn receosa que a sua máscara seja revelada como fraude ou um Laurence Olivier recriado magnificamente por Kenneth Branagh como um galã envelhecido que se procura agarrar ao passado). E Curtis, que é notável na direcção de actores e na construção sem esforço do clima de “luta de classes” que subjaz a praticamente todo o cinema inglês, contenta-se muitas vezes em aflorar apenas a superfície de personagens que estão no filme apenas como como arquétipos do objecto e desejo e fantasia. Quando escapa ao “caderno de encargos”, contudo, há relances que sugerem que “A Minha Semana com Marilyn” podia ter sido um filme mais estimulante do que este objecto simpático mas finalmente demasiado convencional, feito à medida de uma certa ideia de “cinema de prestígio” que enche o olho mas é menos interessante do que parece à primeira vista.

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