"Composition nº1": livro para baralhar e voltar a ler

Marc Saporta criou em 1961 um livro com 150 folhas soltas. Meio século depois, a obra chega aos leitores numa versão para iPad

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Contém 150 folhas soltas e não numeradas - cada um decide como quer ler a obra, também disponível para iPad DR

É um livro sem agrafos ou linhas. Quer isto dizer que "Composition Nº.1" não tem os elementos que impõem uma estrutura fixa aos livros. Pode ser lido em qualquer ordem. Foi assim criado por Marc Saporta em 1961 e, ainda hoje, tem o condão de desconcertar os leitores. Este ano, além da reedição em papel, a editora londrina Visual Editions pôs no mercado uma versão para iPad desta icónica obra de ficção.

"Composition Nº.1" foi o primeiro livro a exigir do leitor uma participação activa. Desafiou as convenções da literatura muito antes de a ideia de valorizar a participação do utilizador entrar na moda. Há meio século, Marc Saporta já apostava na interactividade. E convidava o utilizador a participar na "produção" da narrativa.

Em teoria, “Composition Nº.1” dá mais poder ao leitor, que é a quem cabe escolher como vai proceder à leitura de 150 páginas não numeradas. Mas nada impede que o leitor opte por continuar passivo, consumindo a obra tal como ela lhe chegou às mãos. Também é possível ler apenas algumas páginas sem ficar com a sensação de que se abandonou o livro pela metade. Afinal de contas, cada página branca contém uma narrativa que se sustenta sozinha.

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Composition Nº1 foi o primeiro livro a exigir do leitor uma participação activa DR

Baralhar folhas digitais

Na versão iPad, mantém-se a lógica de haver uma ordem aleatória para as páginas. A diferença é que ali as folhas são "baralhadas" electronicamente. Tanto no formato em papel como no digital, "Composition Nº. 1" mantém o objectivo de não entregar uma história pronta ao leitor.

 “Não há nada mais desconcertante do que a sensação de segurar um maço de folhas soltas, sem números nem capítulos, com 150 começos e 149 finais”, escreve Tom Uglow na introdução da obra.

A afirmação é curiosa, sobretudo vindo de alguém como Uglow, que trabalha como director criativo da Google e do YouTube na Europa. Uglow sugere que, mesmo na era dos hipertextos e da fragmentação da informação, a mente humana continua a apreciar que o mundo esteja organizado segundo alguma lógica. Daí que um livro como este, que explora a ficção no domínio do aleatório, continue a seduzir e perturbar leitores do século XXI.

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