Perfil de Vladislav Surkov, o homem que se move "nas sombras" do poder

Com o levantar da cortina para um novo acto da vida política russa - as legislativas de hoje e as presidenciais daqui a três meses - Vladimir Putin e Dmitri Medvedev limitam-se a trocar, outra vez, de papéis, numa encenação à qual ninguém põe em dúvida o êxito. É o triunfo das chamadas "democracia soberana" e "democracia gerida", produtos intelectuais de Vladislav Surkov.

Frequentemente referido como "o cardeal cinzento" e "mestre das marionetas" do sistema político russo, com opositores e analistas a atribuirem-lhe uma influência quase maquiavélica, desde o controlo do Estado sobre os media e a nomeação dos governadores, ao estrangulamento de qualquer dissensão no país, Surkov está no centro do poder desde 1999 e resistiu a todas as convulsões internas com uma devoção absoluta a Putin - de cuja ascensão à presidência em 2000 foi aliás um dos principais arquitectos.

"Acredito que Putin é um homem de Deus e o destino enviou-o à Rússia quando o país atravessava um período difícil", afirmou em Julho passado numa das muito raras entrevistas que deu ao longo de mais de uma década. Aos 47 anos, Surkov, cujo cargo oficial é o de chefe adjunto do gabinete presidencial, rejeita os títulos de ideólogo ou teoricista do regime. "Sou um prático", sublinhou à revista Itogui em 2009.

Filho de mãe russa e pai tchetcheno (que abandonou a família quando ele ainda era criança), Surkov estudou teatro (encenação) pelos meados da década de 1980, numa juventude em que usava calças de veludo, cabelo comprido, ouvia Pink Floyd e escrevia poesia e ensaios sobre literatura que eram - invariavelmente - lidos em voz alta pelos professores como exemplos de trabalhos de excelência. Actualmente tem no gabinete fotografias de John Lennon e do rapper Tupac Shakur, a par das de Putin.

Acabou por dar uns primeiros passos de carreira como relações públicas, depois de conhecer no início dos anos de 1990 Mikhail Khodorkovski - então uma das estrelas empresariais em ascensão -, com o qual se treinava no mesmo clube de artes marciais. Khodorkovski, que acabou numa prisão na Sibéria por se opor ao controlo imposto por Putin no sector petrolífero, contratou Surkov inicialmente como seu guarda-costas.

"Mas depressa percebeu que os miolos dele eram muito mais úteis do que os músculos", sublinha o analista político Dmitri Orechkin. Surkov "é como um tchequista dos anos de 1920 e 1930, ele consegue farejar os pontos fracos nas pessoas", avalia ainda o politólogo, em referência à polícia dos bolcheviques, embrião do KGB.

Cargos de topo em bancos e canais de televisão seguiram-se à quebra de relações com Khodorkovski - o qual lhe recusou tornar-se sócio em pleno nas suas empresas -, até que foi convidado para integrar a equipa do Presidente Boris Ieltsin, pouco antes deste passar o Kremlin para Putin. Aí passou a ter um palco à altura do seu génio.

O romancista e dissidente político Eduard Limonov considera que Surkov "transformou a Rússia num maravilhoso teatro pós-moderno, onde experimenta os velhos e novos modelos políticos". Surkov é um confesso admirador de Hamlet e é-lhe mesmo atribuída a autoria de um romance - Almost Zero - publicado em 2009 sob o pseudónimo Natan Dubovitski, descrito pela revista London Review of Books como "uma fusão de despotismo e pós-modernismo".

"Ele é o arquitecto e defensor das fronteiras. Dentro delas é permitida ebulição, zonas de liberdade limitada. Mas a ninguém é permitido ultrapassar essas fronteiras", avalia o jornalista Serguei Dorenko.

Quando em 2008 Putin se viu impedido constitucionalmente de se recandidatar à presidência, depois de cumprir dois mandatos consecutivos, Surkov foi um dos nomes discutidos para lhe suceder. O próprio se encarregou de se apagar da lista, evocando a ascendência tchetchena. "Surkov sabe qual é o seu lugar", frisa Dorenko.

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