O "monstro" da Noruega: esquizofrénico ou "psicopata frio"?

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O julgamento tem início previsto para 16 de Abril próximo Foto: Jon-Are Berg-Jacobsen/Reuters

O diagnóstico feito pelos especialistas noruegueses a Anders Behring Breivik não é linear para os psiquiatras portugueses ouvidos pelo PÚBLICO. Para o psiquiatra Pedro Varandas, o perfil do autor confesso dos atentados na Noruega encaixa-se no que se domina um "psicopata frio". Já o presidente do Colégio da Especialidade de Psiquiatria da Ordem dos Médicos, João Marques Teixeira, alerta que uma "esquizofrenia paranóide" não significa por si só que seja inimputável.

O homem que, em Julho, matou na Noruega 77 pessoas, maioritariamente jovens, vive num "universo delirante", que lhe permite pensar que pode decidir "quem pode viver e quem pode morrer". As conclusões de psiquiatras nomeados pelo tribunal de Oslo, divulgadas na terça-feira, podem fazer com que Anders Behring Breivik seja declarado inimputável. Em vez de ser condenado à prisão, deverá ser internado numa instituição de saúde.

Segundo as conclusões da avaliação clínica, Breivik é um psicótico que, com o tempo, desenvolveu uma "esquizofrenia paranóide" que teria alterado o seu juízo antes e durante os ataques, afirmou ontem Svein Holden, procurador do Ministério Público da Noruega, num encontro com a imprensa, relatado pelas agências de notícias. "Ele vive no seu próprio universo delirante e os seus pensamentos e actos são regidos por esse universo", disse.

O autor confesso do massacre deve ter de responder em tribunal – o julgamento tem início previsto para 16 de Abril próximo e pode prolongar-se por dez semanas. Mas o sistema penal norueguês privilegia a reabilitação e o mais provável é que não seja condenado a pena de prisão. Caso fosse sentenciado, o assassino incorria numa pena de 21 anos de prisão, o máximo previsto.

“Minúcia e planeamento”

Contactado pelo PÚBLICO, Pedro Varandas, da direcção da Clínica Psiquiátrica de São José, ressalvando que só uma avaliação directa permitiria fazer um diagnóstico, mostra-se, contudo, surpreendido com o relatório dos especialistas noruegueses. Para o psiquiatra, "Breivik não parece ter uma esquizofrenia, devido à sua capacidade de minúcia e planeamento". "A esquizofrenia deteriora o indivíduo até em termos cognitivos. Uma pessoa com esquizofrenia age muito mais por impulso", defende, em linha com a reacção de alguns especialistas internacionais.

Assim, Pedro Varandas avança com três possíveis diagnósticos: a perturbação anti-social da personalidade, que afecta sobretudo homens e que é associada à figura do serial killer, também conhecidos como "psicopatas frios" pela extraordinária violência dos actos; a perturbação paranóide da personalidade, onde os indivíduos são permanentemente desconfiados e vão atribuindo culpas por diferentes actos e perseguindo os que consideram culpados; e a psicose paranóide, com semelhanças com o segundo diagnóstico, mas onde há o factor delírio de forma mais acentuada e o contexto de uma crença inabalável.

Em qualquer dos casos, o indivíduo pode ter "uma visão messiânica" da sua pessoa, sendo que, do que leu sobre o caso Breivik, Varandas aponta mais para o primeiro, até pela preocupação demonstrada com os detalhes e pela frieza com que no local do crime juntou o grupo de jovens e escolheu quem quis matar primeiro.

Eram 15h26 do dia 22 de Julho quando uma bomba explodiu em Oslo, atingindo vários edifícios onde dezenas de pessoas ficaram presas. O ataque tinha sido anunciado num manifesto de mais de 1500 páginas escrito por Breivik e colocado na Internet horas antes dos ataques e que levara nove anos a preparar. Às 17h25, surgem relatos de tiros vindos da ilha de Utoya, onde decorria um acampamento de jovens do Partido Trabalhista, no poder. A equipa especial antiterrorismo chega a Utoya mais de uma hora depois do atirador, disfarçado de polícia, ter desembarcado de um ferry na ilha. Durante esse tempo disparou sobre dezenas e dezenas de jovens, com balas modificadas para maximizar o número de vítimas.

Inimputabilidade não é obrigatória

Pedro Varandas sublinha que nem no caso da esquizofrenia nem nos três cenários apontados é linear que o indivíduo seja inimputável, referindo antes a possibilidade de uma imputabilidade atenuada pela doença, que conduz também a tratamentos. E destaca também que por parte da sociedade existe cada vez mais a necessidade de avaliar as situações não no campo da moralidade mas sim no da liberdade. Isto é, "procuramos verificar se o indivíduo estava em pleno gozo da sua liberdade ou se o seu livre arbítrio estava de alguma forma comprometido".

Já o presidente do Colégio da Especialidade de Psiquiatria da Ordem dos Médicos clarifica que os relatórios psiquiátricos feitos no âmbito destes casos apontam para possíveis diagnósticos e consequências dos mesmos para os actos em julgamento. João Marques Teixeira refere, por isso, que na mão dos juízes é que está a capacidade de declarar ou não o acusado inimputável. Salvaguardando que ao não conhecer Breivik apenas pode fazer suposições, o especialista sublinha que uma esquizofrenia paranóide não implica necessariamente que o autor confesso dos atentados seja encaminhado para tratamento. "Na Europa nos últimos anos 35% dos indivíduos com esquizofrenia julgados em tribunal foram considerados imputáveis", adianta João Marques Teixeira.

O médico defende também que, tendo em consideração a brutalidade dos actos, o diagnóstico tanto pode ser o avançado pelos peritos noruegueses como o proposto por Pedro Varandas, descrevendo que há casos de esquizofrenia que apresentam muitas semelhanças com as psicopatias atrás referidas.

No que diz respeito ao facto de Breivik ter pedido por várias vezes para ser julgado normalmente, insistindo que não sofre de qualquer problema mental, tanto Pedro Varandas como João Marques Teixeira dizem que esta atitude por si só não pode levar a qualquer conclusão. Mas para Varandas encaixa-se, uma vez mais, nos cenários avançados: “Ele quer ser julgado e não considerado um doente mental porque acredita que tem uma causa e quer continuar a mostrá-la ao mundo”.

Em todos os casos, o relatório dos psiquiatras Synne Serheim e Torgeir Husby, que se encontraram 13 vezes com o assassino, num total de 36 horas, ainda vai ser examinado por uma comissão médico-legal, que certificará se foram seguidos os procedimentos profissionais exigidos. Poderão também ser pedidas outras avaliações. A prática habitual da Justiça norueguesa é seguir as recomendações dos especialistas.

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