Aqui há gato

A primeira aventura a solo do felino espadachim que roubou os úlitmos filmes de “Shrek” é uma aventura despretensiosa que confirma que o melhor que se faz hoje em Hollywood é mesmo a sua animação

E assim se recupera o “élan” que a impagável subversão dos contos de fadas do primeiro “Shrek” perdeu nas suas progressivamente mais desnecessárias sequelas - basta desviar os holofotes para o felino hispânico com que António Banderas roubou a série a dada altura, combinação peluda de Zorro e Errol Flynn para o qual a inconfundível voz de charme do actor espanhol parecia feita à medida. O galante gato espadachim de uma Espanha de conto de fadas é agora projectado para uma aventura em nome próprio que tem tanto de programado pelo marketing - afinal, a Dreamworks precisa de um novo “franchise” agora que Shrek já deu as últimas... - como de inspirado, confirmando que, ao longo dos últimos tempos, o estúdio de Jeffrey Katzenberg tem-se afastado da excessiva dependência nos gagues de comédia televisiva em direcção a narrativas mais trabalhadas (é a história, estúpido!).


“O Gato das Botas” constrói-se, assim, como uma deliciosa variação pós-moderna sobre as fábulas de João e o Pé de Feijão e da Gansa dos Ovos de Ouro, dobrada de “história de origem” da personagem, explicando de onde é que vieram as botas e a sua reputação de emérito espadachim, e de resgate da sua honra felina maculada por uma traição menos clara do seu passado. Não se perdeu ainda inteiramente a utilização dos gagues de cultura pop moderna, mas descobre-se aqui uma estimulante sensação de respeito pelas coordenadas clássicas da aventura hollywoodiana, sobretudo na sua vertente de exotismo farsola da “época de ouro” (o Gato parece saídinho dos velhos filmes de Errol Flynn e Douglas Fairbanks), usada como fonte de uma paródia discreta e afectuosa - menos iconoclasta do que o “Shrek” original, mas não menos lúdica e criativa.

A animação é, como se esperaria, de primeira água (mesmo que ainda se sinta ocasionalmente a ausência do requinte que a Pixar parece ser capaz de introduzir quase sem esforço), e é um daqueles casos em que o 3D, “gimmick” tão supérfluo na maior parte das grandes produções contemporâneas, é usado em favor do filme e não apenas para “encher” espaço. O que daqui sai é um entretenimento despretensioso e divertido para toda a família, que confirma que parece colocar-se mais cuidado e trabalho na animação que Hollywood produz hoje em dia no que na maior parte da produção de imagem real - e a versão original legendada ganha aos pontos pelo intercâmbio entre as vozes de Banderas, Salma Hayek e Zach Galifianakis.

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