Prisão perpétua para o "Anjo Loiro da Morte"

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Alfredo Astiz, ontem durante o julgamento Marcos Brindicci/Reuters

O antigo oficial da Marinha Alfredo Astiz foi condenado a prisão perpétua por crimes contra a humanidade cometidos durante a ditadura militar na Argentina (1976-83).

Astiz era conhecido como o “Anjo Loiro da Morte” e foi considerado culpado de tortura, assassínio e sequestros. Entre as suas vítimas estavam duas freiras francesas e fundadores do grupo de direitos humanos Mães da Praça de Maio.

A alcunha de Astiz vem do seu aspecto quase angélico. Mas este antigo capitão da Marinha, agora com 59 anos, foi um dos principais responsáveis pelo desaparecimento de quase cinco mil opositores que foram detidos e torturados na Escola Superior de Mecânica da Armada (ESMA).

Este foi um dos maiores processos judiciais de direitos humanos na Argentina, onde se estima que tenham morrido 30 mil pessoas vítimas da ditadura. E foi também a primeira vez que 16 elementos deste centro de torturas compareceram perante a justiça.

Doze, incluindo Astiz, foram condenados pelo Tribunal Federal número 5, na noite de quarta-feira (madrugada de quinta-feira em Lisboa), a passar o resto da vida na prisão. Entre estes está Jorge Acosta, com a alcunha de “O Tigre”, que argumentou durante o julgamento que “as violações aos direitos humanos são inevitáveis durante uma guerra”. Os outros quatro receberam penas entre os 18 e os 25 anos de cadeia.

Nenhum outro local se tornou tão emblemático da repressão militar argentina como a ESMA, situada em plena capital, recorda o “El País”. Dali saíram largas centenas de pessoas para aviões que depois sobrevoavam o rio da Prata, para onde eram lançadas vivas, num grotesco ritual semanal. Muito poucos – talvez duas centenas – sobreviveram à passagem pela Escola.

Esta era apenas uma das prisões clandestinas da ditadura, mas era a mais conhecida – e em 2007 abriu as portas ao público como memorial dos direitos humanos.

Em 1998, Astiz gabou-se durante uma entrevista que era “o melhor homem da Argentina a matar jornalistas e políticos”. Depois do golpe de estado de 1976, tornou-se rapidamente um dos membros do grupo 3.3.2, responsável por sequestros, torturas e desaparecimentos da ESMA, onde entrara em 1968. “Não lamento nada”, afirmou.

Infiltrou-se em grupos de direitos humanos cujos membros foram depois sequestrados, como as Mães da Praça de Maio que lutavam por saber o paradeiro de filhos desaparecidos; foi condenado na Europa à revelia pela morte de duas freiras francesas e uma sueca detidas na ESMA por acolherem familiares de desaparecidos.

A justiça foi feita

A sala de audiências estava cheia e centenasde pessoas juntaram-se à porta, na rua, alguns com fotografias das vítimas dos homens que estavam a ser julgados, refere e Reuters. A leitura de cada sentença era aplaudida pela multidão. Quando chegou a vez da decisão sobre Astiz a multidão gritou: “Filho da puta!”. No fim das sentenças, ouviu-se música, houve dança e abraços na rua.

“Podemos finalmente ficar em paz, sabendo que a justiça foi feita”, disse uma mulher à televisão local. “A justiça é a base da democracia”, comentou à AFP Geneviève Jeaningros, sobrinha de uma das freiras, que veio à Argentina para assistir ao veredicto. “Todos os que deram a sua vida não o fizeram em vão”.

Com o fim da ditadura militar, em 1983, houve processos por crimes contra os direitos humanos contra membros da junta, mas os detidos foram depois amnistiados e postos em liberdade. A amnistia seria depois revista pelo Tribunal Supremo, em 2005, a pedido do então Presidente Nestor Kirchner (marido da actual chefe de Estado, Cristina Fernandez Kirchner), e desde então que os tribunais condenaram várias figuras do regime.

O julgamento da ESMA, como ficou conhecido, durou dois anos e por lá passaram 160 testemunhas, incluindo 79 sobreviventes que relataram as torturas que sofreram, refere ainda o “El País”. No final, formaram-se 86 acusações por crimes contra a humanidade.

Astiz tentou levar uma vida normal e foi fotografado em clubes nocturnos de Buenos Aires ou em locais de férias, adianta a Reuters. Em todo o caso, por várias vezes foi atacado em público e nunca deixou de ser um símbolo dos abusos da ditadura.

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