Mona Prince: “Tahrir transformou-se na nossa casa”

As redes sociais e os blogues permitiram o despertar de consciências no Egipto e, para Mona Prince, esse é um dos resultados mais importantes da revolução

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Fernando Veludo/nFactos

Como está o Egipto hoje, oito meses depois da queda de Mubarak?

Agora está muito mal. Na semana passada, o exército passou por cima das pessoas com tanques. Honestamente, fiquei chocada. Acho que estamos a regredir para um ponto anterior a 25 de Janeiro. O exército somos nós, o povo, os nossos irmãos, primos e vizinhos. Sempre disseram que o exército nunca mataria o povo, mas fizeram-no na semana passada. É muito triste. Para mim, se o fizeram uma vez, podem fazê-lo de novo e, nesse caso, não sabemos o que acontecerá nos tempos que se avizinham. As eleições parlamentares estão marcadas para o fim de Novembro. Parece sombria, mas oxalá seja apenas uma fase. Outra onda revolucionária aparecerá, espero.

Acha que essa onda revolucionária está para breve?

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A vida era na Praça Tahrir, diz Mona, onde as pessoas começaram a limpar e a partilhar tudo, comida, bebida Reuters

De alguma forma, o povo egípcio surpreende-me. Eu não acreditava que o povo saísse à rua a 25 de Janeiro e aconteceu. Houve uma mudança de atitude de muitas pessoas, porque que começaram a odiar a revolução, mas talvez esta pressão as faça revoltarem-se novamente. Mas não tenho a certeza.

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Tomávamos por garantido que o governo de Mubarak era para sempre e que a seguir a ele vinha o seu filho Reuters

O mundo assistiu às imagens, em directo, da multidão na Praça de Tahrir, até à queda de Mubarak. Como foram esses dias?

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Mona Prince, 41 anos, é referida como uma das mais activas bloggers do Egipto Fernando Veludo/nFactos

Tahrir transformou-se na nossa casa. Quando saíamos de lá era muito aborrecido. A vida era na Praça Tahrir. Sinceramente, quando começámos, achámos que ia durar apenas uma hora e que a polícia nos ia obrigar a sair. Mas depois fomos surpreendidos, éramos milhares e milhares de pessoas. Claro que a polícia nos bateu, mas continuámos. O dia começou com "slogans" como "Liberdade" e "Pão" e só mais tarde pedimos pelo fim do regime. As pessoas começaram a limpar e a partilhar tudo, comida, bebida. Até que a polícia nos atingiu com gás lacrimogéneo e, mais tarde, disparou balas reais. Nos primeiros dois dias estávamos esfomeados porque todas as lojas estavam fechadas e para arranjar pão era preciso andar muito e não era seguro. Depois, todos os dias aparecia uma nova forma de vida. Celebraram-se aniversários e casamentos na praça. Muçulmanos e cristãos estavam juntos e nem uma única igreja foi atacada durante esse período. Foi uma utopia. E apesar de, praticamente, não dormirmos, sair da praça era realmente aborrecido. A vida era em Tahrir. Tínhamos plataformas diferentes para as pessoas falarem e dizerem poesia, concertos, barbeiro grátis. Foi incrível.

Como está a Praça Tahrir hoje? Resta alguma coisa desses dias?

Havia muita arte, as pessoas desenhavam e escreviam, mas foi tudo removido. Agora, de cada vez que saímos à rua, as pessoas desenham graffitis contra o governo e contra o exército.

Como vê o papel dos blogues e das redes sociais na revolução?

São muito importantes porque foi assim que começámos. Na altura corria uma piada no Facebook que contava como Mubarak, depois de morto, dizia a dois antigos presidentes que não tinha morrido por envenenamento ou homicídio, mas sim por causa do Facebook. No início, ninguém acreditava que era possível fazer uma revolução a partir da Internet e com data marcada. Agora as pessoas comunicam no Facebook, no Twitter, nos blogues, e partilham muita informação e textos. Começaram a discutir e a dar opiniões e acho que isto é um dos mais importantes resultados da revolução. Antes da revolução ninguém falava sobre nada, não queríamos saber. Tomávamos por garantido que o governo de Mubarak era para sempre e que a seguir a ele vinha o seu filho. Pelo menos agora as pessoas falam e tentam compreender.

Este fim-de-semana foi marcado por manifestações em cidades de todo o Mundo. Como vê a situação dos jovens neste cenário de crise?

Gostava poder participar! Estou muito contente que seja um movimento global, que as pessoas comecem a criticar e a lutar pelos direitos. Espero que atinja a China e o Irão, por exemplo. Talvez seja similar ao Maio de 1968, na Europa, e há uma nova ordem a ser criada. Mas primeiro é o caos, só depois se constrói alguma coisa. Vamos ver dias maus mas espero que este seja o início de uma nova era.

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