Lisboa Mulata

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Quando no final do tema de abertura Tó Trips não se contém e grita “Lisboa Mulataaaa”, soa absolutamente espontâneo. Como quando Glenn Gould entoava as notas das Variações Goldberg que desferia sobre o piano ou Charlie Mingus berrava orgásticos “yeahs” no seu “Oh Yeah”. É gozo puro.

É a música a pedir uma resposta física e essa resposta adquirir a forma de uma libertação perfeita. Não se trata de uma pedaço de letra com qualquer função poético-narrativa. É uma coisa mais primária. É um urro de deleite. O que parece implicar duas coisas: o desprendimento completo de um disco pensado sobretudo a dois; e a toada africana do tema, implorando por um pezinho de dança ou uma manifestação de exuberância. Saiu-lhe o grito. E ainda bem. “Lisboa Mulata” consegue esquivar-se ao enfado que, por esta altura, poderia ter já tomado conta dos temas dos Dead Combo. Ao quarto álbum de estúdio, guitarra e contrabaixo poderiam ter chegado ao ponto de não terem mais nada a dizer um ao outro e estar a implorar pelo divórcio. E, no entanto, por muito que haja por aqui ajudas de Marc Ribot (sublime em quatro temas, sobretudo na maravilhosamente atormentada “Marchinha de Santo António Descambado”), Alexandre Frazão e Camané (num soturno “spoken word” com texto de Sérgio Godinho), continua a haver a mesma novidade que de início, as mesmas referências impecavelmente baralhadas, que poderiam adornar imagens de Robert Rodriguez, Edgar Pêra ou Paulo Rocha com igual ausência de esforço. Esta é música que se faz da mesma beleza desassombrada com que se baptizam os temas: “Anadamastor” porque há um café de esquina no Adamastor que tem uma empregada chamada Ana. Isto basta.

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