Ficção de Hollywood abalada por realidade económica

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O uso do erário público para atrair e sustentar a produção de filmes e programas televisivos está em debate Foto: Danny Moloshok/Reuters

A Assembleia Legislativa da Califórnia está sob fogo. De um lado, uma coligação de sindicatos, lobbies e magnatas de Hollywood apela à câmara a extensão de um incentivo de 500 milhões de dólares (cerca de 360 milhões de euros) para produções de cinema e programas de televisão até 2014. Do outro, estão os que defendem que, em tempo de cortes orçamentais, os apoios sociais devem ser a prioridade. A notícia é avançada pelo Los Angeles Times.

A história começa em 2009, quando Arnold Schwarzenegger era ainda governador do estado da Califórnia. O incentivo aprovado então integrava o orçamento desse ano, e resultou de um acordo entre a bancada democrata da câmara e um apoiante de peso da indústria cinematográfica, o republicano Schwarzenegger.

Este programa de ajudas teria efeito até 2014. Entretanto, a aplicação do plano veio baralhar os dados: até este mês, do bolo inicial, já foram distribuídos pelo sector cerca de 400 milhões de dólares (cerca de 293 milhões de euros).

A Califórnia é o estado com a segunda taxa de desemprego mais elevada da América – 12% em Julho, segundo o Departamento de Fomento ao Emprego dos Estados Unidos – e o défice orçamental tem sido notícia pelos piores motivos. O cenário de fragilidade económica está a colocar a tónica desta discussão (também em marcha noutros estados afectados pela retracção económica) na eficácia do uso de erário público para atrair e sustentar a produção de filmes e programas televisivos.

A proposta da prolongamento do apoio aos filmes produzidos na Califórnia foi aprovada na Assembleia Legislativa. Mas no Senado do estado da Califórnia o incentivo foi limitado a cerca de 73 milhões de euros, montante apenas concedido por um ano.

Os defensores da extensão do crédito consideram esta decisão insuficiente. Nesse sentido, nos últimos dias da sessão legislativa, a indústria cinematográfica tem-se mobilizado para pressionar a classe política. Uma coligação de sindicatos, lobbies e magnatas tem alertado para o facto de a recusa do prolongamento da ajuda poder levar à perda de empregos no estado da Califórnia para outros estados que oferecem apoios superiores.

O democrata Felipe Fuentes, autor da proposta de extensão do benefício, afirma que se não conseguir convencer o Senado a garantir um apoio superior a um ano, vai tentar fazê-lo novamente quando a Assembleia voltar a reunir-se em Janeiro. Para o programa ir além de 2011, serão necessários os votos de dois terços do senado.

O presidente do Senado do estado da Califórnia, Darrell Steinberg, também democrata, já se manifestou, segundo o Los Angeles Times, em sentido contrário a Fuentes: “Não acho que seja um sinal correcto estender o apoio, dadas as circunstâncias [económicas]”.

Os dois lados da pressão

O programa de 360 milhões de euros inicialmente previsto corresponde a uma ajuda em mais de 25% de despesas com produção qualificada. Este montante é canalizado para compensações e taxas que as companhias de produção têm que pagar ao estado, mas não pode ser utilizado para pagar os salários dos actores.

Entretanto, os media têm anunciado que o poder executivo do estado californiano está a cortar em serviços sociais, a colocar os professores em situação de lay-off, e a aumentar as mensalidades dos estudantes das universidades públicas. Aliás, são estes os principais argumentos dos opositores à proposta de extensão de apoios a Hollywood.

“É um pouco insólito para mim que uma câmara controlada pelo Partido Democrata dê 360 milhões de euros às corporações, enquanto corta de forma cruel nos [apoios a] pobres e pessoas doentes ”, lamenta Dave Low, da California School Employees Association, um dos poucos sindicatos que se opõe à atribuição destes benefícios em tempos de crise económica e social.

Para fazer valer os seus argumentos, lobbies do sector do entretenimento da Califórnia têm recorrido a um estudo da Los Angeles County Economic Development Corp, que estima que o programa injectou 2,8 mil milhões de euros na economia da Califórnia e criou 20 mil empregos desde 2009. “Está provado que este programa cria empregos e estimula a economia. As nossas empresas estão todas sediadas na Califórnia e nós queremos ver a indústria a crescer aqui”, afirma Vans Stevenson, vice-presidente sénior para os Assuntos Governamentais da Motion Picture Association Of America, citado pelo Los Angeles Times.

Os críticos do apoio à indústria cinematográfica questionam ainda a credibilidade deste estudo, patrocionado precisamente pela Motion Picture Association Of America. Contrapõem com estudos de programas de outros estados que estimam que estes benefícios não criaram empregos suficientes para recuperar das despesas.

Também ao Los Angeles Times, um representante do California Budget Project, Jean Ross, favorável a um maior investimento em serviços sociais, afirmou que o custo anual de 73 milhões de euros de benefício fiscal está muito próximo do montante em que a Assembleia Legislativa aumentou as propinas nas universidades públicas. “Taxámos os estudantes da universidade pública para baixar as taxas a Hollywood”, conclui Ross.

Quarenta estados americanos continuam a oferecer ajudas à actividade cinematográfica. Pelo menos cinco estados encerraram ou suspenderam os seus programas de apoio nos últimos dois anos.

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