Vénus Negra

Desde que "Vénus Negra" foi vaiado em Veneza 2010 que o novo Abdellatif Kechiche ("O Segredo de um Cuscus") transporta a "cruz" de ser um grande filme maldito. Depois do "Cuscus" era inevitável que Kechiche "comesse por tabela", e o que o realizador propõe com a história verídica da "Vénus hotentote" que foi atracção de feira na Europa do século XIX é um objecto brutal, desconfortável, até chocante - como convém ao que é uma extraordinária meditação sobre a sociedade do espectáculo, o modo como ela se alimenta da novidade, do escândalo, o modo como o olhar que se lança sobre alguém define a percepção de quem vê e de quem é visto.


E lá por tudo isto acontecer há quase dois séculos não lhe retira a evidência de que é dos nossos dias que Kechiche fala, no seu estilo naturalista, estruturado por quadros longos contados em tempo real. É uma história exemplar, uma descida aos infernos que nos força a confrontar-nos com o nosso próprio olhar, com o nosso próprio voyeurismo, com a nossa própria natureza. Desaconselhável a almas sensíveis, mas imperdível para quem gosta de cinema.

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