Uma Volta de portugueses para portugueses

Foto
David Blanco não vai defender o títuto de 2010 Hugo Correia/Reuters (arquivo)

Esgotaram-se as fórmulas para escrever sobre a Volta a Portugal, que nesta quinta-feira se inicia em Fafe, com um prólogo de 2,2 km, e termina dia 15, em Lisboa. O PÚBLICO já a definiu como "meia-Volta a Portugal", "a Volta que se esqueceu do Sul" e este ano pode acrescentar que é "a Volta dos dez por cento", já que a caravana ignorou quase 90 por cento do país (ilhas incluídas).

A sua curta dispersão geográfica não é, contudo, o maior problema da Volta minguante. Sim, o percurso é o mesmo de sempre (há mais chegadas em alto, cinco em dez etapas, mas os sítios do costume estão lá, desde a Senhora da Graça e a da Assunção até à mítica Torre, e apenas eles farão as diferenças). Sim, as dificuldades financeiras são visíveis a cada esquina, mas o verdadeiro quebra-cabeças é que, na 73.ª edição, conta mais quem não está do que quem está.

Olha-se para a lista de favoritos, improvisada, com mais figurantes do que protagonistas, e repara-se no óbvio: falta David Blanco, falta Cândido Barbosa. Agora por quem é que o público vai gritar na beira das estradas?

O espanhol e recordista de vitórias na prova portuguesa (empatado com Marco Chagas) cansou-se de um calendário pouco competitivo e da falta de adversários à sua altura e partiu para outras paragens, deixando órfão um pelotão que contava com ele para os grandes momentos. Vencedor em 2006, 2008, 2009 (após a desclassificação por doping de Nuno Ribeiro) e 2010, Blanco era o animador por excelência das etapas de montanha.

Com a partida do galego, foi-se o carisma, com a partida de Barbosa foi-se o sonho dos adeptos de verem ganhar o "ciclista do povo", um sonho alimentado durante uma década. Cândido será embaixador da prova, estará disponível para autógrafos e fotografias, mas já não poderá criar a ilusão de um triunfo português.

Esse papel cabe a outros, aos ditos favoritos, homens que só o são porque o pelotão nacional e a prova continuam em crise profunda - são quatro equipas portuguesas, uma selecção e oito modestas formações internacionais, num total de 116 ciclistas, o número mais reduzido desde 1993.

De outra maneira, João Cabreira, Hernâni Broco, André Cardoso, Ricardo Mestre, Rui Sousa ou Sérgio Sousa nunca seriam verdadeiros candidatos. Mais habituados a trabalhar para alguém do que para eles próprios, estes actores secundários têm a oportunidade de uma vida de se tornarem heróis por uma Volta, com o primeiro a encabeçar o grupo.

Mas há males que vêm por bem e, nesta Volta de portugueses para portugueses (só David Bernabéu, segundo nas últimas duas edições, é uma ameaça), a pobre lista de inscritos (longe vão os tempos em que as grandes equipas vinham a Portugal) abre a porta para que um português quebre a hegemonia estrangeira e acabe com uma longa travessia do deserto que dura desde 2003, ano em que Nuno Ribeiro misturou as cores nacionais com a amarela final.

Sugerir correcção
Comentar