"Sangue do Meu Sangue" em San Sebastian, Rio, Toronto e Busan

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Rafael Morais, Anabela Moreira, Cleia de Almeida e Rita Blanco numa cena do filme cortesia Mayanna Von Ledebur / Midas Filmes

O melodrama suburbano de João Canijo inicia o percurso por festivais. Estreia em Outubro.

Uma pergunta: como pode o amor incondicional sobreviver nas condições mais extremas? Um desafio feito por uma actriz a um realizador: seria bom continuarem a fazer filmes juntos, mas por uma vez que eles não acabassem mal. E, depois, pesquisa pelo subúrbio português para o contágio com a realidade ser fulminante, mais dois anos de ensaios, em que o argumento e as personagens foram sendo escritos pelos actores e com os actores - Rita Blanco foi a tal actriz que desafiou João Canijo -, e, ainda, estágio de realidade dos intérpretes por supermercados, restaurantes ou cabeleireiros de centros comerciais. Eis "Sangue do Meu Sangue", melodrama familiar suburbano.

Após a emigração ("Ganhar a Vida"), a vida de alterne ("Noite Escura"), o Portugal rural ("Mal Nascida") e um documentário sobre o Portugal salazarista como espelho do presente ("Fantasia Lusitana"), eis uma casa no Bairro do Padre Cruz, uma dança cheia de autoridade por vários pares, com o centro a ser ocupado pelo amor de uma mãe solteira (Rita Blanco) por uma filha (Cleia de Almeida) que leva a primeira a ocultar à segunda que está a ter uma relação com o pai.

Há em todos os cantos deste filme o sinal de que João Canijo e os seus actores - e eles são ainda: Anabela Moreira, Rafael Morais, Nuno Lopes, Beatriz Batarda, Marcello Urgeghe - elevaram um "método" até um apogeu, com resultados intimidantes. (Quer dizer, este grupo de actores move-se como um monstro de várias cabeças.) "Sangue do Meu Sangue", produção da Midas Filmes, dará, portanto, que falar.

Começa já, pelos festivais: San Sebastian, em competição (de 16 a 24 de Setembro), Toronto, secção World Cinema (6 a 18 de Setembro), Rio de Janeiro (6 a 18 de Outubro), Busan, na Coreia, que fará ainda uma retrospectiva do cinema português que inclui, para além de filmes de Miguel Gomes, João Pedro Rodrigues ou João Nicolau, três obras de Canijo, "Ganhar a Vida", "Noite Escura" e "Mal Nascida" (6 a 16 de Outubro) - o programa de Canijo deste festival coreano, diz-nos Pedro Borges, produtor de "Sangue do Meu Sangue", será um molde para, em outros festivais, relançar o nome do realizador a nível internacional.

A estreia portuguesa acontecerá a 6 de Outubro, coincidindo com a edição em DVD (pela ZON Lusomundo) do primeiro filme do realizador, "Três Menos Eu", que completa a edição nesse suporte de todas as suas longas. Na mesma altura, a RTP 2 exibirá o documentário "Trabalho de Actriz, Trabalho de Actor", também a ser editado em DVD, onde se espreita o "método" de um cineasta (será mais John Cassavetes ou mais Mike Leigh?).

E, quando se fala de estreia, tem de se acrescentar que os espectadores portugueses terão à disposição no grande ecrã uma versão mais curta, de 140 minutos, e uma mais longa, de 190 (e ainda uma versão televisiva, de três episódios de 52 minutos cada). Sobre a forma como se articularão em sala, e sobre a versão que circulará nos festivais, o assunto ainda não está encerrado, diz Pedro Borges. E, no caso português, tudo terá também a ver com a resposta e com a curiosidade do público. Mas rima com "Sangue do Meu Sangue", está nele, essa disponibilidade de crescer como um organismo vivo, atraindo o espectador para as cenas da vida das suas personagens. É uma experiência que fizemos: a versão curta empurra-nos irremediavelmente para a longa. É nesta - um pequeno monumento - que o filme se cumpre de forma mais fulgurante, derrotando a hierarquia clássica que separa personagens principais das secundárias, proporcionando uma experiência de tempo que é, para o espectador, um verdadeiro live em carne e osso. Quer dizer, dura três horas e dez minutos, mas podia, não nos importaríamos, durar 10h.

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