Em busca da idade da inocência perdida

O criador de "Fringe" e "Perdidos" assina uma madalena Proustiana à volta da inocência do passado e do cinema de Steven Spielberg

A palavra-chave para definir o novo filme de J. J. Abrams é "inocência". "Super 8" é um filme que procura recriar, em muitos níveis diferentes, a inocência de um outro tempo; sem negar a nostalgia inerente a estes exercícios de memórias da nossa infância e adolescência, nem a melancolia inevitável de quem sabe que essa "idade de ouro" nunca foi realmente assim tão maravilhosa e que o mundo é muito mais complicado do que parece quando temos 14 anos. A inocência que Abrams procura recuperar em "Super 8" é a de um grupo de amigos de uma "small town" americana de 1979, alimentados a fantasias herdadas dos "drive-ins", dos cinemas locais, dos filmes antigos na televisão, que estão a rodar um filme de zombies em super 8 quando o descarrilamento de um comboio que transporta uma carga misteriosa torna a sua cidade num cenário de cinema. Como se as brincadeiras inofensivas do cinema acabassem de algum modo por se tornar realidade - e, no processo, servissem como o ponto final na "idade da inocência".


Tal como o sublime "Star Trek" (2008) - anterior realização do criador das séries "A Vingadora", "Perdidos" e "Fringe" -, "Super 8" abre-se desde o princípio a toda uma série de construções teóricas e leituras referenciais sobre a relação entre o cinema e a vida real, espelha na sua própria construção narrativa o problema que quer solucionar. E fá-lo sem nunca perder de vista que, essencialmente, isto é um filme de aventuras adolescentes. Mais, "Super 8" é um filme "à maneira de", um "ersatz" dos filmes que Steven Spielberg realizou ou produziu nos anos 1970 e 1980 ("Encontros Imediatos do Terceiro Grau", "E. T.", "Gremlins", "Os Goonies"...). Por baixo desse "à maneira de" afectuoso e nostálgico, Abrams busca um efeito de "madalena" Proustiana, um "em busca da inocência perdida" que sabe que nunca é possível voltar ao tempo em que fomos felizes.

O que explica em parte porque é que "Super 8" acaba por não corresponder na íntegra às expectativas que a sua primeira metade elevam muito alto: o próprio conceito de actualizar o cinema-Spielberg dos anos 1980 derrota-se a si mesmo porque ele não é ressuscitável fora daquelas condições específicas de temperatura e pressão. Abrams aproxima-se dele o mais possível, mas a partir do momento em que o filme admite que já não é possível manter intactos o engenho e a ingenuidade desses tempos, em que a sofisticação da técnica toma conta do filme, sentimos que "Super 8" perde gás e se dilui em apenas mais um filme de efeitos especiais. O que é profundamente injusto, quando durante a maior parte do tempo Abrams consegue fazer um filme "à maneira de ontem" que nunca esconde que está a ser feito hoje - é quando começa a ser demasiado "filme de hoje" que a magia se desfaz como se nada restasse dela. E, contudo, ela esteve lá durante grande parte destas duas horas.

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