Confissões de Uma Namorada de Serviço

Quando Soderbergh, em 1989, em Cannes, com a Palma de Ouro na mão, desabafava qualquer coisa como "a partir daqui vai ser sempre a descer", falaria de uma verdade íntima, de algo que só ele poderia saber? Como algo que se imporia mesmo perante os sucessos e os Óscares? Coroado como "autor" pelo júri de Cannes presidido por Wim Wenders - foi esse o sinal dessa Palma de Ouro, o de uma descoberta -, mostrar-se-ia imediatamente a seguir, com "Kafka" (1991) e "King of the Hill" (1993), um cineasta académico e na defensiva, como que encadeado pela luz que outros faziam incidir sobre si - suspeitando não ser merecedor de tanta atenção, como se estivesse no centro de um embuste? "Experiências" como "Schizopolis" (1996) e o que se seguiu, "Out of Sight" (1998) e "The Limey" (1999), foram momentos de revelação de uma dualidade: mostraram, de um lado, um realizador que "doesn''t deliver" quando se trata de projectos pessoais a que se atira como experiência (ainda: "Full Frontal" ou "Bubble"), e, de outro, uma impotência que só se resolve quando se exige "performance" ao "artesão" e não ao "autor". "The Girlfriend Experience" é outra prova de uma incapacidade no âmago do cinema de Soderbergh: estas cenas na vida de uma "escort girl" demonstram todos os "sinais" - o dinheiro, a sociedade de consumo... - mas são incapazes de construir edifício cinematográfico (tal como os discursos ingénuos, deslumbrados que exibem apenas "name dropping"). Soderbergh esforça-se, mas sobretudo denuncia-se com o esforço de desconstrução... Quando, finalmente, a personagem interpretada por Sacha Grey é agarrada e nos agarra - quando passa a existir para além desse exercício deslumbrado de desestruturação -, o filme acaba. E aqui perguntamos: a sequência final, uma cena de impotência, é o cineasta Soderbergh (mais uma vez) a falar dele próprio, de algo que só ele poderá saber?

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