Mamma Roma 2

Depois de "Almoço de 15 de Agosto", Gianni, o filho de sua mãe, anda pelo Trastevere de Roma a testar a sua invisibilidade face às mulheres. Através de um pedaço de biografia, um cinema que desapareceu: o da "comédia à italiana"

Quando Gianni Di Gregorio se apresentou (2008) - encerrado com a mãe e com as amigas num apartamento, Roma a fugir para férias -, "Almoço de 15 de Agosto" fez figura de bizarria: era a estreia como realizador de um homem de 60 anos que durante décadas andou a apagar fogos no cinema italiano e que ali expunha o seu património. Desde logo, o de filho que durante mais de uma década suspendeu a vida por causa de uma mãe, o que cobria "Pranzo di Ferragosto" - de forma auto-irónica - com uma camada de catarse psicanalítica. Mas havia outro património que se pressentia ali: o da comédia italiana desaparecida.


Eis a respiração de "Almoço de 15 de Agosto": deixar aberta a possibilidade ao espectador de fantasmar com a invasão de memórias de um cinema desaparecido. Como se estivessem ali, fora daquele "huis clos", no calor de uma cidade vazia, à espera de uma oportunidade para entrarem. Era todo um "fora de campo" (Risi, Monicelli, Comencini e os outros, e era toda uma era...) que latejava, sem se concretizar nunca - era um filme alimentado pelo que já não estava ali. De outra forma seria coisa calculista, "à maneira de...". Ora, a singularidade de "Pranzo...", e isso tintava também o testemunho psicanalítico, era apresentar-se de forma instintiva, sem gesto de recriação cinéfila: Di Gregorio não sabe mostrar-se de outra forma a não ser como é, produto de uma vivência, testemunha de mundo (cinematográfico) que terminou. O seu Gianni é verdadeiramente ele, Di Gregorio, e com a mesma verdade é uma personagem de cinema que sintetiza neuroses e obsessões tal como a "comédia à italiana" dos anos 60 e 70 as explorou - concretamente, a emasculação do macho italiano.

"Gianni e as Mulheres" tira o homem de casa, coloca-o em movimento por Trastevere, bairro romano onde o realizador vive, como se quisesse dar oportunidade de vida à personagem fora do domínio da mãe. E assim Di Gregorio faz a catarse do seu presente - tem 60 anos, as mulheres já não olham para ele -, depois de no filme anterior ter expulso o passado de submissão à mãe. Até reforça os sinais de biografia - a filha da personagem é a sua filha; a cadela é a sua cadela...

As coisas, cinematograficamente, também não mudam (sofre com isso o efeito surpresa, é verdade). No cenário aberto, o cinema continua a ser uma ilha assaltada por fantasmas de todos os lados. E que seja o Trastevere não é um acaso, pois aí, bairro de Roma que tem sofrido processos de gentrificação mas que mantém uma essência de bairro popular, ainda se sentem "presenças", coisas de outro tempo - de outro cinema. É como se, e aqui a biografia serve para falar do cinema, Gianni Di Gregorio fosse um espectro sem futuro e com um passado cuja memória está soterrada debaixo de anos de "entertainment" televisivo. Ele, invisível para as mulheres, é a imagem de um certo cinema italiano: condenado ao esquecimento. Não é Risi, não é Monicelli... sim, mas não se pode perdir isso a um fantasma.

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