China lida de forma sigilosa com os casos de envenenamento por chumbo

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Depois de detectados perigosos níveis de chumbo no sangue das crianças, alguns médicos apenas recomendaram a ingestão de leite, maçãs ou alho Reuters

O regime comunista chinês tem reagido de forma sigilosa às centenas de casos de envenenamento por chumbo. Apesar de o governo central se ter comprometido a pôr fim aos focos de envenenamento - muitos dos quais resultam da manipulação de estanho e da fabricação de baterias -, as autoridades locais ocultam com frequência as situações de envenenamento, a fim de não agitarem a opinião pública.

Foram detectados nos últimos dias níveis muito elevados - em muitos casos em quantidades “perigosas” - de chumbo no sangue de mais de 600 habitantes de Yangxunqiao (província costeira de Zhejiang), de acordo com alguns relatos da imprensa chinesa. As vítimas são maioritariamente trabalhadoras de fábricas que produzem papel de estanho.

Este tipo de envenenamento é frequente em populações que vivem a escassos metros de fábricas que trabalham em condições de segurança mínimas e que competem entre si para fabricarem o mais barato possível.

A China tem registado nos últimos anos situações de claro desrespeito das regras de segurança e de respeito pelo meio ambiente num afã pela produção barata.

A China é o maior produtor e consumidor mundial de chumbo refinado. Apesar da proibição da gasolina com este material em finais da década de 1990, o progresso do país e o aumento da venda de automóveis, bicicletas eléctricas e aparelhos de electrónica fez disparar a fabricação de baterias, que absorvem cerca de 75 por cento da produção mundial de chumbo.

A contaminação por chumbo - que resulta de uma exposição continuada a pequenas quantidades deste metal - pode causar graves danos nos rins, no cérebro e nos sistemas muscular, nervoso e reprodutivo.

As crianças são particularmente sensíveis a este metal porque absorvem até metade da quantidade a que estão expostas e podem ter problemas de crescimento e de desenvolvimento do cérebro, muitas vezes de forma irreversível. Esta situação é particularmente difícil na China, um país onde impera a política do filho único.

Num relatório tornado ontem público em Nova Iorque pela organização de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch (HRW), milhões de crianças são envenenadas todos os anos por chumbo naquele país asiático.

O relatório indica ainda que os funcionários locais minimizam sistematicamente os perigos do envenenamento por chumbo e negam às pessoas doentes o direito de serem analisadas por médicos a fim de encobrirem o problema.

A HRW dá conta no mesmo documento que, na sequência de diversas entrevistas feitas a pais e famílias de diversas províncias chinesas, a atitude permanente das autoridades é silenciar quem fala ou pede ajuda.

“Pais, jornalistas e activistas que se atrevem a falar sobre o chumbo são detidos, acossados e, em última instância, silenciados”, indicou à HRW Joe Amon, director de saúde e direitos humanos numa organização chinesa não governamental.

Alguns pais indicaram que, depois de terem sido detectados perigosos níveis de chumbo no sangue dos seus filhos, os médicos apenas recomendaram a ingestão de leite, maçãs ou alho.

Este secretismo das autoridades traz à memória os acontecimentos de finais da década de 1990, quando o governo tentou abafar o escândalo do contágio de sida através da venda de sangue contaminado.

Apesar disso, o governo central tem em marcha uma campanha para lutar contra a contaminação de pessoas por metais pesados.

Centenas de fábricas de baterias de chumbo e ácido têm sido fechadas em Zhejiang, depois de terem sido noticiadas a nível nacional vários casos de intoxicações.

O ministério chinês do Meio Ambiente pediu acções urgentes, já que os envenenamentos criaram um grande ressentimento contra as autoridades no seio da população. Pequim continua a ver com grande preocupação qualquer protesto popular, especialmente desde a alvorada da Primavera Árabe, que ameaçou estender a sua acção ao gigante asiático.

Mas este esforço de melhoria por parte do governo central choca muitas vezes com os poderes locais, que continuam a dar prioridade ao crescimento económico, em detrimento da segurança dos seus trabalhadores e da protecção do meio ambiente, estima o “El País”.

Ainda assim, em Maio passado, as autoridades de Zhejiang detiveram 74 pessoas e suspenderam o trabalho em centenas de fábricas depois de 172 pessoas - entre elas 53 crianças - terem ficado doentes por causa do chumbo.

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