Quinze Pontos na Alma

Há um equívoco a trabalhar na primeira longa-metragem do argumentista Vicente Alves do Ó: a de que o amor do cinema - e, sobretudo, o amor do cinema clássico - é, só por si, suficiente para transportar um filme. "Quinze Pontos na Alma" é um filme assombrado pelos grandes retratos de mulher que o cinema americano da era de ouro soube mostrar, pelas obsessões vertiginosas que arrastaram actrizes como Joan Crawford, Bette Davis ou Barbara Stanwyck, realizadores como Douglas Sirk ou Alfred Hitchcock.


Não são poucos, aliás, os momentos em que Rita Loureiro invoca abertamente as "louras" de Hitchcock, de Grace Kelly a Tippi Hedren passando por Kim Novak. E é de propósito, porque Alves do Ó quer fazer uma espécie de "Vertigo" luso, obsessivo e malsão, sobre uma mulher com uma vida perfeita que se deixa arrastar pelo beijo que deu a um suicida no viaduto Duarte Pacheco.

Mas esse fascínio quase fetichista pelo cinema clássico (vejam-se os cartazes de filmes, as citações constantes nos décors e nos diálogos, o guarda-roupa) esbarra na incapacidade de Alves do Ó imprimir personalidade, direcção ou sentido ao seu filme. O irrealismo escapista dos cenários e personagens, que se quer invocação dos décors de Cedric Gibbons ou Hal Pereira, raramente se eleva acima do pechisbeque de ricos de telenovela.

O desejo de grandiloquência melodramática em memória de Cinemascope afoga-se numa série de planos gratuitamente vistosos, o que se quer glamour retro resume-se a fotografia cristalina de anúncio publicitário ou teledisco limpinho. O cuidado posto no diálogo deliberadamente barroco é destruído por uma direcção de actores aproximativa que nunca consegue um tom unificador nem a estilização procurada.

O que sai daqui é um filme que, à imagem da sua personagem, quer ser algo que não aquilo que realmente é - em vez de "Vertigo" temos um ersatz de "Odete". Que há aqui sinceridade e paixão não se duvida. Mas isso não chega.

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