A Tempestade

Shakespeare em cinema é sempre uma coisa complicada de resultar. Julie Taymor, uma das mais inventivas encenadoras teatrais contemporâneas e autora de filmes deliberadamente "fora do baralho" como "Frida" ou "Across the Universe", estreou-se no cinema com uma versão sangrenta e opressiva de "Titus Andronicus" com Anthony Hopkins e Jessica Lange, e agora atira-se a "A Tempestade" numa leitura alucinada e quase experimental que transforma a personagem principal, Próspero, o duque de Milão que a ambição venal dos outros exila para uma ilha deserta, numa mulher.


E não é uma mulher qualquer: Próspera é a divina Helen Mirren, numa interpretação extraordinária que, conjugada com a angularidade telúrica e alienígena dos exteriores naturais do Havai onde o filme foi rodado, abre uma nova dimensão à tragédia de vingança e perdão do bardo de Stratford-upon-Avon. Esta "Tempestade" estilizada e visualmente ousada é um filme que não trai Shakespeare, não uma peça filmada; para já não falar de ser sempre de louvar ver uma cineasta que tem gosto por correr riscos e não tem o mínimo interesse em fazer mais do mesmo.

Mas o elenco de secundários de absoluto luxo é desperdiçado nesta versão bastante abreviada da peça, e (apesar da presença de Beth Gibbons no genérico final) a música de Elliot Goldenthal, habitual mais-valia dos filmes de Taymor, é aqui particularmente infeliz. O que daqui sai é, mesmo que falhado, uma experiência intrigante e inteligente, que confirma Taymor como uma cineasta inteligente que sabe muito bem as diferenças entre teatro e cinema.

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