Primeiro-ministro de Cabo Verde anuncia último mandato à frente do Governo

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Para José Maria Neves, o "grande feito" do país foi ter resistido à crise Miguel Madeira

José Maria Neves está optimista. Líder do PAICV (Partido Africano da Independência de Cabo Verde) e primeiro-ministro nos últimos dez anos, acredita que o país tem condições para gerar milhares de postos de trabalho e acelerar o desenvolvimento. Garante que só estará mais cinco anos no Governo, porque "três mandatos são mais do que suficientes" para que "uma pessoa seja líder". Mas não exclui uma candidatura à Presidência dentro de dez anos. A entrevista decorreu no seu gabinete da sede nacional do partido, na zona do Plateau. Na parede, à esquerda da mesa de trabalho, uma foto de Amílcar Cabral.

No discurso de vitória, disse que vai abrir o Governo à sociedade civil. Vai incluir independentes, ou membros de outros partidos?

Serão independentes. Acho que devemos mobilizar competências e capacidades existentes na sociedade, não só a nível do Governo mas de outras instituições da administração pública e do sector empresarial.


Prometeu criar o salário mínimo, o 13º mês e aumentar as pensões sociais. Noutros países, por causa da crise, os apoios sociais estão a ser reduzidos. Acredita que vai conseguir concretizar essas medidas?

O grande feito de Cabo Verde é ter conseguido resistir à crise, através de políticas públicas muito consistentes. Fizemos uma gestão sã e prudente das finanças públicas. A economia cresceu 5,5 em 2010, quando os outros países de rendimento médio cresceram 0,4 por cento. Temos os fundamentais da economia sólidos e os principais projectos estruturantes para o desenvolvimento já financiados até 2013. Isto quer dizer que, com a aceleração do ritmo de crescimento da economia, já há sinais de retoma, o turismo vai crescer a um ritmo mais acelerado, os transportes aéreos e marítimos também. Teremos condições para que as tecnologias informacionais, as indústrias culturais, as energias renováveis, a agricultura, a pecuária, a indústria alimentar [se desenvolvam]. [Isto para] além de um aproveitamento mais intensivo de todas as potencialidades ligadas ao mar. Temos condições para acelerar o ritmo de crescimento, gerar milhares de postos de trabalho, garantir rendimentos às famílias e debelar a pobreza.


Está confiante...

Estou confiante de que, apesar da crise, vamos ter bons momentos e de que teremos condições para desenvolver políticas sociais muito fortes.


Estamos em plena crise. Cabo Verde tem uma dependência grande do exterior. Não teme que investimentos previstos continuem congelados, que os fluxos turísticos possam diminuir?

Os fluxos turísticos estão a aumentar. Vão ser inaugurados novos hotéis, por exemplo na Boa Vista, e até Abril passaremos de cerca de 20 voos por semana para mais de 30. Novos resorts e hotéis vão ser inaugurados até ao fim do ano na Ilha do Sal, outros serão construídos na Praia e em São Vicente. De modo que, em termos de turismo, haverá com certeza o acelerar do crescimento. E, com o turismo, outros serviços ligados aos transportes aéreos e marítimos. Vamos privatizar a TACV [transportadora aérea cabo-verdiana] ainda este semestre. E as indústrias culturais, as tecnologias informacionais, vão ter um grande incremento. Acho que conseguiremos atingir os nossos objectivos.


Do seu ponto de vista, quais os obstáculos a um maior desenvolvimento de Cabo Verde?

Basicamente, têm a ver com o sector energético e com os transportes marítimos, com a água e o saneamento. Na energia, o problema já está equacionado, os investimentos estão a ser feitos e, dentro de dois anos, resolveremos todos os problemas. Os transportes marítimos estão em curso de resolução. Chegou agora o primeiro catamarã para ligar as ilhas do sotavento, e em Abril chegará um para ligar as ilhas do Norte. Há novos investimentos privados também neste sector. Água e saneamento serão eixos essenciais do segundo compacto do Millennium Challenge Corporation [programa norte-americano de apoio à redução da pobreza]. De modo que, com certeza, teremos condições para ultrapassar esses constrangimentos restritivos no processo de desenvolvimento.


Cabo Verde tem boa imagem externa, mas há um aumento da criminalidade e das referências ao país como fazendo parte de rotas de tráfico de droga. O que está a ser feito para contrariar essa situação?

Cabo Verde tem uma grande credibilidade internacional porque tomou medidas desde muito cedo para o combate ao narcotráfico e à criminalidade organizada. Somos uma referência na África Ocidental. Temos parcerias com Portugal, Espanha, França, Inglaterra, Estados Unidos, para o controlo das nossas águas. Há patrulhamentos conjuntos para combater o narcotráfico, a criminalidade organizada e a imigração clandestina, reforçando a segurança marítima nesta região. E temos tido sucesso, no combate ao narcotráfico e à grande criminalidade.


A nossa grande debilidade está na pequena criminalidade, na delinquência juvenil nos principais centros urbanos. Aqui estamos a tomar medidas, reforçando as polícias com mais meios, mais efectivos, mais equipamentos, e também desenvolvendo políticas sociais.

No relacionamento internacional, quais são as prioridades de Cabo Verde?

A inserção aqui na CEDEAO [Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental], uma inserção competitiva no espaço oeste-africano. A participação activa na União Africana. O reforço da Parceria Especial com a União Europeia. A presença forte na CPLP [Comunidade dos Países de Língua Portuguesa]. Uma política de vizinhança estratégica, não só com os países da CEDEAO, mas também com Marrocos e Mauritânia, Estados Unidos, Brasil, Angola e África do Sul. E a nossa participação na região da Macaronésia [que agrupa Cabo Verde, Açores, Madeira e Canárias] e por essa via o reforço das relações com Portugal e Espanha. Temos também os países asiáticos, designadamente China, Índia e Japão, e os países do golfo Pérsico.


O relacionamento com Portugal passa essencialmente pela parceria com a União Europeia e pela região da Macaronésia?

As relações bilaterais são muito fortes. Tivemos um forte concurso de Portugal na nossa estratégia de aproximação à Europa. Mas há também um relacionamento bilateral excelente. As relações com Portugal são extraordinariamente importantes.


Voltando ao plano interno. Um dos temas levantados na campanha eleitoral, sobretudo por pequenos partidos, foi a regionalização política. Como é que vê essa reclamação? A proposta do PAICV é de uma descentralização administrativa.

Só pequenos partidos é que falam de regionalização política, que não tem acolhimento na nossa Constituição.


Mas parece-lhe interessante?

Não seria viável a regionalização política. Num pequeno país de 500 mil habitantes residentes, termos dez regiões políticas com dez governos regionais, dez parlamentos regionais e um parlamento nacional bicamarário seria excessivo e fonte de conflitos inultrapassáveis. O que prejudicaria enormemente o desenvolvimento. Eu considero que seria utópico pensarmos na regionalização política.


Quanto às regiões administrativas, teremos que criar as condições para que isso venha a acontecer, evitando conflitos, evitando também o excessivo alargamento da burocracia pública, que poderia consumir recursos que, de outro modo, estariam destinados ao desenvolvimento. Ainda temos grandes desafios. Temos manchas significativas de pobreza. Teremos de continuar a trabalhar para resolver esses problemas.

Põe a hipótese de mais mandatos como primeiro-ministro?

Não. Farei este mandato e depois o PAICV terá que escolher nova liderança para os desafios futuros. Acho que três mandatos são mais do que suficientes para que uma pessoa seja protagonista essencial e líder. A partir de agora, vou assumir as minhas responsabilidades políticas. Mas, no quadro da preparação das próximas eleições legislativas, daqui a cinco anos, o partido terá de encontrar uma nova liderança.


Este é então o seu último mandato como chefe de Governo?

Sim. Depois posso ir para a universidade, para a investigação. Há muita coisa para ser feita.


O partido pode não o querer deixar sair daqui a cinco anos.

Não, não. Aqui não há sobredeterminação colectiva. Tem de haver um equilíbrio com os interesses pessoais. Acho que seria excessivo, mesmo que haja um interesse interno do partido, candidatar-me novamente. É preciso renovar, dar oportunidade a outras lideranças no quadro do partido e do país. O país precisa de ter outras pessoas, de ideias novas, e é bom que tenhamos a consciência disso e façamos a renovação necessária. Este meu mandato será de consolidação dos ganhos conseguidos, mas, do ponto de vista partidário, será também de preparação de novas lideranças.


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