Guinga: uma estreia luminosa

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Guinga numa actuação passada DR

5 estrelas em 5

Lisboa, Pequeno Auditório do CCB

Quarta-feira, 10 de Novembro, às 21h

Sala quase cheia

Para quem esperava um recital de canções, a estreia de Guinga em solo português poderá ter ficado aquém das expectativas, mas aquilo que se viu e ouviu no CCB foi uma actuação belíssima, sem mácula, onde o cantor e compositor voluntariamente cedeu a voz aos amigos (e que amigos!) - o violonista Lula Galvão e o clarinetista Gabriele Mirabassi, italiano, que nos primeiros sete temas partilharam com ele, sem subalternização, a ribalta.

O programa prometia músicas dos primeiros discos, algumas regravadas em discos posteriores, como “Choro pró Zé”, “Canibaile”, “Cheio de dedos”, “Picotado” ou “Dá o pé, loro”, e foi por aí que a noite começou, com Guinga mais recatado, à direita do palco, estendendo o tapete dos compassos para que Lula e Gabriele solassem, o primeiro demonstrando a sua versatilidade e sabedoria e o segundo tocando com hábeis movimentos de todo o corpo, para melhor modular o fraseado.

Só depois Guinga cantou, com a sua voz inimitável e ligeiramente rouca, que a ter descrição seria a de uma improvável mistura de Milton, Elomar e Chet Baker. Primeiro “Contenda”, numa versão magnífica, bem menos ritmada do que a registada no disco “Casa de Villa, de 2007 (“Sou a dobra de mim sobre mim mesmo/ Nesse afã de ganhar de quem me ganha/ Tento andar no meu passo e vou a esmo/ Tento pegar meu pulso e ele me apanha”), depois a eterna e lírica “Senhorinha”, como só ele a sabe cantar. O décimo tema, um baião efusivo, de novo com os três músicos juntos em perfeita e natural sintonia, fechou oficialmente o espectáculo, 80 minutos passados do início.

No “encore”, Guinga voltou sozinho, com o seu violão. E mostrou de duas formas diferentes o que querem dizer quando tanto o elogiam. Primeiro com “Catavento e girassol”, parceria com Aldir Blanc, bem definidora do seu estilo único (“Meu catavento tem dentro/ O que há do lado de fora do teu girassol/ Entre o escancaro e o contido/ Eu te pedi sustenido/ E você riu bemol”), depois com uma excelente homenagem “a um génio da música mundial”, Tom Jobim, com um arranjo em torno da sua “Estrada branca”, oportunidade para observar a forma como Guinga tira partido do violão. Mas, mais uma vez, ele nos fez sentir que acima da actuação de um só homem, estava ali o trabalho de um grupo. “Não quero o palco só para mim. Gostaria de encerrar junto com meus amigos”. E foi assim que, juntos de novo, se ouviu o brilhante “Baião de Lacan”. Antes de, num segundo “encore”, “Carinhoso” de Pixinguinha ter servido para dar voz à plateia, que cantou palavra a palavra cada verso da canção enquanto os três a tocavam.

A meio do espectáculo, Guinga dissera: “Estou aqui para trocar emoção com vocês, estou aqui como ser humano”. Apresentou os músicos “como irmãos” e de Portugal quis deixar uma impressão sincera. “Entendi muito melhor o meu país, a minha cultura, entendi melhor de onde eu venho.” E noutro passo: “Mesmo que eu não volte a tocar aqui, a amizade já está feita.” Na noite, os últimos aplausos soaram com um abraço.

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