Europa elegeu pela primeira vez as suas muçulmanas mais influentes

Foto
As premiadas. Três das dez estiveram ausentes da cerimónia Rui Gaudêncio/PÚBLICO

Num jantar de gala em Madrid onde lenços ("hijab") unicolores e multicromáticos conviviam com penteados mais ou menos elaborados, a Europa elegeu, no sábado – pela primeira vez – as dez mulheres muçulmanas mais influentes do continente.

Ndeye Andújar, feminista espanhola que é a directora do site Webislam.com, com mais de 12 milhões de visitantes por mês; Shaheeda Fatima, uma das mais destacadas advogadas do Reino Unido que está a preparar-se em Harvard para ser a primeira juíza muçulmana da Gra-Bretanha; Zaha Hadid, descrita como “uma diva com muitos prémios, paixão e ego” –, a primeira arquitecta a ganhar o Pritzker e recém-galardoada com o Stirling; Sabina Iqbal, fundadora e presidente do Deaf Parenting of UK, a primeira associação mundial dirigida por pais surdos para ajudar pais surdos (como ela); Lamya Kadoor, académica e fundadora da União Liberal-Islâmica, que dá voz aos muçulmanos alemães que “interpretam o islão de uma forma contemporânea”; Sineb El Masrar, fundadora e directora da revista "Gazelle", a primeira publicação multicultural dedicada a mulheres com raízes imigrantes; Bani Noo, jovem enfermeira de origem somali, presidente da Associação das Mulheres Muçulmanas da Suécia; Nabila Ramdani, jornalista e académica francesa de ascendência argelina, especialista em Médio Oriente, em assuntos islâmicos e em questões franco-inglesas; Hilal Sezgin, comentadora política e autora de vários livros sobre islão e islamofobia, multiculturalismo e feminismo islâmico na sua Alemanha natal; Anna Stamou, "marketing manager" da Associação dos Muçulmanos da Grécia, uma convertida ao islão que tenta oferecer a primeira mesquita e o primeiro cemitério à sua comunidade.

A eleição das European Muslim Women of Influence é uma iniciativa, sem precedentes, da CEDAR (Connecting European Dynamic Achievers of Role Models), rede pan-europeia de profissionais muçulmanos que procura “gerar uma cultura de sucesso e de liderança entre as diversas comunidades muçulmanas da Europa” (cerca de 23 milhões de pessoas). A CEDAR contou com o apoio do Institute for Strategic Dialogue em Londres, da Casa Árabe em Madrid, do British Council, da Open Society Foundation e da Vodafone alemã.

Todas as convidadas receberam uma estatueta de cristal, numa noite em que a diversidade europeia ficou bem visível nos corredores do luxuoso hotel madrileno Wellington, quando mulheres modestamente cobertas da cabeça aos pés se cruzavam, nos corredores, com as convidadas decotadas, transparentes e provocantes da “Boda de Gisele e Pedro” numa sala adjacente.

Lehman Sisters

Depois de apelar à Europa para que imite o Brasil no modo como este país “ostenta orgulhosamente” os seus mosaicos étnicos e culturais, e para destacar o quanto as dez mais influentes podem ser fonte de inspiração, Cherie Blair, oradora de honra, arrancou aplausos à audiência quando disse que não basta ficar no patamar da tolerância. “Esta é aliás uma palavra de que não gosto”, admitiu a mulher do ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair. “Prefiro falar de respeito e de parceria.”

“É muito mais aquilo que nos une do que o que nos divide” frisou Cherie Blair, adiantando que muitas mulheres muçulmanas querem ajudar as suas sociedades mas só encontram apoio verbal e nenhuma ajuda prática. Por isso, recomendou, é importante que aquelas que vencem inspirem as que estão em desvantagem.

A este propósito a bem-humorada Cherie recitou uma história que ouviu à Presidente da Libéria Ellen Johnson Sirleaf. Numa visita a uma escola, as crianças estavam desassossegadas e a professora repreendeu-as. Nesse momento, uma criança levantou-se e dirigiu-se à ilustre visitante: “Tenha cuidado com o que me vai dizer, porque um dia também eu poderei ser Presidente”. Esta ousadia e este sonho seriam impensáveis, notou a mulher de Tony Blair, antes de a antiga economista do Citibank ter sido eleita, em 2005, a primeira chefe de Estado do primeiro país independente de África.

Recuando até à sua “infância difícil” em Liverpool, Cherie lembrou: “Nunca pensei em ser advogada, muito menos imaginava que iria viver no Nº 10 [de Downing Street]. Fui a primeira pessoa da minha família a frequentar a universidade. Depois de formada em Direito (top of the class), quando tentei trabalhar numa firma de advogados, ou não havia lugar para mulheres ou, se havia, era apenas um e já estava preenchido.

Um dia, surgiu uma vaga para duas candidaturas. Uma delas era a de um homem. O homem que conseguiu o lugar era Tony Blair. Ele tinha razão quando admitiu que eu era melhor advogada do que ele – mas [reconheço que] ele foi melhor político.”

Os aplausos foram ainda mais sonoros quando a católica devota Cherie Blair, cuja irmã, a jornalista Lauren Booth, de 43 anos, se converteu recentemente ao islão, ironizou que o mundo talvez não estivesse hoje mergulhado numa profunda crise financeira “se a Lehman Brothers fosse a Lehman Sisters.”

A narrativa do leão

A escolha das 10 mulheres muçulmanas mais influentes da Europa foi o culminar de um processo iniciado em Setembro de 2009 com uma campanha publicitária para o público fazer uma primeira selecção. Desta fase inicial, resultou um grupo de 65, provenientes de 11 países europeus. Depois, a rede CEDAR fez uma "short list" de 26. No sábado à tarde, numa reunião à porta fechada, na Casa Árabe, em Madrid, um colectivo de seis juízes – dois do Reino Unido, dois de Espanha, um da Áustria e um da França – presidido pela jornalista da BBC Razia Iqbal, reduziu as 26 a 10.

Iqbal, que participa frequentemente como júri na escolha de livros para serem premiados, reconheceu que a sua tarefa foi muito difícil: “É muito mais complicado escolher pessoas.”

No louvor final às que saíram da lista para o pódio e às que não chegaram lá, Iqbal evocou o escritor nigeriano e Nobel da Literatura Wole Soyinka: “Só quando os leões escreverem a sua história é que a história da caça deixará de ser a do caçador.” Os “leões”, neste caso, as muçulmanas mais influentes da Europa, marcam a diferença ao escreverem a sua própria narrativa, acentuou.

Da "short list" de 26 mulheres ficaram de fora figuras como Imtaz Khaliq, a única "bespoke tailor" (alfaiate que trabalha por medida e encomenda) do Reino Unido, condecorada pela Rainha de Inglaterra; Mahinur Özdemir, 27 anos, deputada muçulmana eleita por um partido democrata-cristão e a primeira a usar o "hijab" no parlamento regional de Bruxelas; Suad Mohamed, de origem etíope, a primeira imã (líder espiritual) da comunidade muçulmana da Suécia; e as irmãs Khadija e Mariame Tighanimine, duas de seis filhos de uma família marroquina de França, os cérebros da webzine "Hijab and the City" – um fenómeno de popularidade no mundo islâmico europeu e não só.

As suas histórias e as de algumas das galardoadas podem ser lidas na próxima edição da revista Pública.

O Público viajou a convite do British Council
Sugerir correcção
Comentar