Film à clef

Um olhar "de dentro" sobre os meandros de uma actividade que parece estar cada vez mais em "vias de extinção": o cinema.

Apetecia gostar muito - correcção: apetecia gostar mais - do segundo filme de Mia Hansen-Løve, antiga crítica dos "Cahiers du Cinéma", não apenas pela delicadeza do seu tema central como pela ousadia formal com que o trata. "O Pai das Minhas Filhas" é uma espécie de "film à clef", em jeito de homenagem a Humbert Balsan, produtor de cinema que esteve por trás de filmes de Elia Suleiman, Béla Tarr ou Lars von Trier antes de se suicidar abruptamente, deixando o meio do cinema francês em choque.


Balsan deveria ter produzido o primeiro filme de Hansen-Løve, "Tout est pardonné" (2007, inédito entre nós), e a cineasta entendeu homenageá-lo pelas portas travessas da ficção. Daí que o "herói" seja aqui Grégoire Canvel, produtor "jogador" cujo amor ao cinema o leva à beira do abismo, contrapondo ao "stress" constante de uma profissão sempre na corda bamba o idílio de uma vida faciliar longe de pacífica ou perfeita mas suficientemente forte para resistir a tudo.

Não se trata forçosamente de querer "estragar" o filme a quem ainda não o viu, mas a solução narrativa que Hansen-Løve escolheu para o dilema central da personagem é colocada literalmente a "meio caminho" do filme. É, simultaneamente, a sua grande força e a sua grande fraqueza: porque força um "antes" e um "depois", uma presença e uma ausência que equilibram de modo inteligentíssimo o impacto emocional do filme; porque Chiara Caselli, na esposa do produtor, não consegue nunca dar à sua personagem a consistência necessária para sustentar a segunda parte do filme, sobretudo quando comparada à presença voraz de Louis-Do de Lencquesaing, notável no papel do produtor. Isto torna, literalmente, "O Pai das Minhas Filhas" num jogo que emperra numa segunda parte empastelada quando tudo indicava que o filme iria descolar para outros rumos.

E é pena, porque há uma sensibilidade verdadeira no olhar da realizadora, na atenção que dá às personagens e aos actores, no modo como dirige actores e encena os seus confrontos - para lá do olhar forçosamente "de dentro" sobre os meandros de uma actividade que parece estar cada vez mais em "vias de extinção".É, ainda assim, a prova de que vale a pena continuar atento ao percurso de Mia Hansen-Løve.

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