Um big bang chamado Brillante Mendoza

Este filme é uma catedral em céu aberto do cinema de um cineasta chamado Brillante Mendoza

Com a retrospectiva, em Janeiro, que a Zero em Comportamento dedicou à obra do filipino Brillante Mendoza - do primeiro filme, "Massagista", 2005, aos dois últimos, de 2009, "Kinatay" e "Lola" -, testemunhámos um "big bang": vimos um universo em expansão, o de alguém que começou em territórios próximos do "exploitation", do erótico (há um filme, "Pantasya", de 2007, que ele não considera na sua filmografia oficial, que assinou como Dante Mendoza) ou até da saga telenovelesca e "glossy" ("Kaleido", 2006), e que se decide a inverter a direcção: da óbvia dança do ventre a um certo tipo de cinema e de espectadores para aquilo que o próprio realizador, em entrevista que publicamos neste suplemento, chama de percurso de auto-descoberta. Tudo terá começado com a visão, tardia, do neo-realismo italiano... e como ele transcedeu isso e se transcendeu.


Veja-se aonde ele chegou: já estando disponível em DVD em Portugal "Serbis"/ "Serviços" (2008) - a verdade é que, valendo o que vale a comparação entre universos distintos, este filme é aquilo que "Goodbye Dragon Inn", de Tsai Ming-liang, não conseguiu ser -, passa agora a estar acessível em DVD "Kinatay" (um "tour de force" infernal em que todos, a personagem principal e nós, espectadores, perdem a inocência) e, em sala e DVD (estratégia que o distribuidor defende também nestas páginas), "Lola", melodrama em que o realizador se despoja daquilo que pode restar de provocador, até mesmo de confronto algo ingénuo, em algumas sequências dos seus filmes, para uma súmula de (neo-?)realismo e melodrama, de documental e artifício.

Filmando a odisseia de uma avó que procura o corpo do neto assassinado, as suas dificuldades para organizar o funeral, a sua incapacidade de fazer notar a sua existência pela Justiça, e o drama de uma outra avó cujo neto é o suspeito daquele assassínio, Mendoza juntou em "Lola" ("Avó") o que eram duas histórias verídicas separadas. É um atitude e um gesto de contornos algo "pulp fiction", porque podia ter resultados grosseiros, óbvios - reparo que alguns continuam a fazer ao cinema de Mendoza. Mas o que nos é devolvido é de uma subtileza imensa e intensa, tão frágil e tão lírico, mas tão destemido, como uma folha de papel ameaçada pelo vento. E que faz uma síntese e, simultaneamente, uma renovação dos procedimentos do filipino: mistura não profissionais com actores (para quem não duvida que as duas "avós" são mulheres que o realizador encontrou na chamada "vida real" para caucionar a "verdade" do seu filme, saiba que elas são Anita Lindo e Rustica Carpio, vedetas do "star system" filipino), continua a fazer-nos descobrir, através do périplo com as personagens pelas cidades, uma geografia física e humana implacáveis - como que querendo manter-se o mais próximo do documento de uma sociedade que, é esse o ponto de Brillante, é uma ratoeira -, mas cresce na forma como progressivamente integra o artifício.

Isto é grande cinema, e grande cinema político, como também o é a obra de Rainer W. Fassbinder e Douglas Sirk (estes com um acréscimo de masoquismo e de tortura na relação entre as personagens, aspecto que não se destaca no cinema de Mendoza). Isto é grande melodrama, transfigurando as ruas como se elas fossem um cenário de estúdio, mas sendo as as ruas de Manila e não a sua reprodução - os bairros inundados, a sequência do funeral, as noites de chuva, a vegetação como uma estufa, a chuva e o vento, naturais e criadas pela máquina de cinema. Isto é uma catedral em céu aberto do cinema de um cineasta chamado Brillante Mendoza.A Rainha"Lola", de Brillante Mendonza

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