O Casamento a Três

Dificilmente veremos este ano filme mais maravilhosamente encenado, fotografado e interpretado do que o novo do mestre francês Jacques Doillon - bastam um cenário, cinco actores, uma directora de fotografia literalmente iluminada e um cineasta que sabe o que filmar e como filmar. Alguns planos de "O Casamento a Três" são literalmente picturais, quadros animados de uma beleza transcendente; os actores (Pascal Greggory e Julie Depardieu à cabeça) entregam-se de corpo e alma ao prazer de representar com um vivacidade admirável.

Doillon filma as idas e vindas desta trama quase de "boulevard" sobre o complicado triângulo amoroso entre um dramaturgo, a actriz sua ex-mulher e o actor que é o novo namorado dela com o engenho e a leveza ideais para um filme que se movimenta em simultâneo entre níveis de teatro e de cinema. E, contudo, o belíssimo edifício que Doillon constrói arrisca-se a soçobrar a qualquer instante porque lhe faltam os alicerces - ao fim de meia hora sentimos que a história já não tem mais para onde ir e entra num processo de repetição de motivos, tombando num estereótipo quase caricatural do jogo de sedução diletante, que perde rapidamente o encanto. A perfeição da forma não consegue nunca compensar a sensação supérflua da função. Desde 1996, com "Ponette", que Doillon não estreava em Portugal, e é bem triste reencontrá-lo com este exercício menor.

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