Iréne

Não sabemos o que nos leva a retrair-nos deste modo perante "Irène" - afinal, o cinema recente do francês Alain Cavalier (que apenas tem chegado a Portugal através de exibições pontuais em festivais) baseia-se todo na exposição pública da sua vida privada, numa espécie de diário audiovisual do seu quotidiano onde o cineasta simultaneamente explora uma nova linguagem documental e afina uma variação muito pessoal sobre o filme-ensaio. "Irène" é , talvez, o filme-limite dessa procura: ao mesmo tempo exorcismo da e penitência pela morte da sua mulher Irène, falecida num acidente de automóvel em 1972, nele Cavalier se expõe de um modo insustentavelmente doloroso, filmando um fantasma que não está lá, os vazios resultantes na sua obra e na sua vida, o modo como o tempo as transforma. "Irène" evita o voyeurismo graças à sinceridade terminalmente confessional de Cavalier, mas a coragem admirável com que o cineasta se expõe levanta uma série de questões (sobre o olhar, sobre as fronteiras da privacidade) que o tornam numa experiência tão formalmente fascinante como emocionalmente desconfortável.

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