Partir

É possível fazer, hoje, um melodrama que seja simultaneamente clássico no seu romantismo impossível e moderno na sua abordagem a esse romantismo? O primeiro problema de "Partir" é que, embora lhe seja anterior, estreia em Portugal a seguir a esse monumento chamado "Eu Sou o Amor" com o qual tem peculiares semelhanças narrativas (uma mãe de família que fez um bom casamento apaixona-se pelo operário que lhe redecora o anexo) e partilha uma mesma vontade de reinvenção do género.

O excesso operático (diríamos muito italiano) do filme de Luca Guadagnino dá lugar a uma contenção naturalista que diríamos muito francesa, com Catherine Corsini a ejectar sabiamente toda a "palha" narrativa do melodrama clássico para deixar descarnado o triângulo amoroso central e, naquele que é o grande trunfo do seu filme, a recusar o proverbial "e viveram felizes para sempre" para confrontar o conto de fadas do grande amor com a realidade social de tombar na pobreza quando se está habituada ao luxo, ironicamente sublinhada pela utilização, como efeito de distanciamento, de excertos de bandas-sonoras compostas por Georges Delerue para filmes de François Truffaut.

O maior problema de "Partir", contudo, é que essa modernidade é mera fachada: Corsini nunca consegue escapar ao maniqueísmo manipulador do género, limitando-se a repetir o fatalismo pré-determinado do destino cruel que alimentava os originais. Ao fazê-lo, reduz Yvan Attal e Sergi Lopes a figuras meramente funcionais, sem espessura dramática para lá dos papéis puramente mecânicos que lhes são atribuídos na narrativa, criando um enorme desequilíbrio com a interpretação notável de Kristin Scott Thomas.

Digamos que, com um bocadinho mais de garra e risco, "Partir" chegaria lá.

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