Achas que sabes dançar?

A inglesa Andrea Arnold confirma o seu olhar muito pessoal sobre a Inglaterra moderna

Podia ser a história de uma miúda forçada a crescer demasiado cedo pela ausência de uma mãe que não quer saber dela, ou a história de uma miúda que se recusa a crescer porque sabe que o futuro não lhe reserva nada de bom, ou mais um ensaio de realismo sujo britânico na senda de Ken Loach. E "Aquário" é isso tudo sem nunca ser apenas uma dessas coisas, mas ao mesmo tempo sem nunca ser nada disso, confirmando que a cineasta britânica Andrea Arnold (cuja estreia na longa-metragem, "Sinal de Alerta", 2005, já revelava um talento a seguir) que tem um fôlego e um olhar de cineasta que está mais interessado nos variações do que nos temas.

Como a maior parte do cinema inglês, "Aquário" é um filme sobre a luta de classes, mesmo que disfarçada atrás da iniciação à idade adulta de Mia, 15 anos, filha mais velha de mãe solteira que habita nos bairros sociais dos subúrbios de Londres. Mia, criação assombrosa da estreante Katie Jarvis, já desistiu de ir à escola e está em risco de ir para uma escola especial, só sabe falar com a mãe, a irmã mais nova ou as amigas aos gritos e aos insultos, só encontra saída da opressão que a rodeia nas coreografias que improvisa sozinha para os êxitos R&B do momento no andar de cima. Até que a mãe traz para casa um novo namorado, bem-parecido, com um emprego estável, ao mesmo tempo que encontra um cavalo faminto e velho num arrabalde da zona. De repente, Mia percebe que, afinal, a vida pode ser mais do que a mera existência - mas as portas que se parecem abrir podem não passar de ilusões.

É demasiado fácil chamar ao que Andrea Arnold faz em "Aquário" um Ken Loach no feminino - e, para além de fácil, injusto. Ao contrário das ficções fortemente pedagógicas em que o realizador de "Terra e Liberdade" ou "O Meu Nome é Joe" se especializou, a realizadora é perita em deixar as coisas fluidas, incertas, a pairar. Arnold não explica tintim por tintim, prefere transferir as coisas para o sensorial, para o visceral - não é por acaso que a dança é o escape de Mia e que acaba por levar à reconciliação familiar. Nem é por acaso que a cineasta filme à flor da pele, sempre colada a uma personagem que está ainda a encontrar o seu caminho, sem a julgar nem a guiar.

É essa sensação de vida que transparece de "Aquário" que ganha o filme de Andrea Arnold - a maior parte do realismo social britânico tem tendência a ceder a uma série de regras mais ou menos rígidas que a realizadora ejecta sem problemas. E, ao deixar entrar o ar (e é curioso ver como as portas do prédio estão sempre abertas...), Arnold propõe uma saída possível, não só para Mia, mas para esse realismo social. E uma belíssima saída.

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