O documentário à luz da lição de António Reis

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A obra toda de Reis-Cordeiro será exibida no Panorama, que hoje abre, com filmes dos seus alunos e a estreia de produções novas.

Que música irá hoje encontrar o guitarrista e compositor Norberto Lobo para celebrar a curta-metragem de estreia de António Reis, Jaime (1974), no recital com que abre, às 21h30, no Cinema São Jorge, em Lisboa, a 4.ª edição de Panorama - Mostra do Documentário Português?


António Reis (1927-1991) e a sua companheira Margarida Martins Cordeiro (n. 1939), que com ele assinou a obra depois de Jaime, são os cineastas homenageados na edição deste ano da mostra, que decorre até 18 de Abril, com a exibição de 64 filmes. Talvez a música do compositor de Mudar de Bina consiga tocar a "transcendência e o espírito de totalidade" que marcava a relação que Reis mantinha com o mundo, com o cinema e com os seus alunos na Escola de Cinema e Teatro em Lisboa, nesse final da década de 1980, como então a viveu Joaquim Sapinho.

O realizador de Diários da Bósnia recorda com emoção o seu "encontro" com Reis, que, mais do que um professor - "ele não dava as aulas, não dava matéria da forma tradicional" -, foi um mestre de vida. Entre a escola, então instalada no Conservatório Nacional, o jardim do Príncipe Real, a livraria Buchholz e a Cinemateca, Sapinho aprendeu dele "o amor pelas formas e pelas ideias", e a permanente discussão na procura da "potência do mundo, da vida, dos corpos".

Neste 4.º Panorama, para além da obra toda de Reis-Cordeiro - Trás-os-Montes (dia 11), Ana (dia 15) e Rosa de Areia (dia 18, sempre às 21h30) -, será exibida uma selecção de pequenos filmes de alunos do realizador, entre 1986-90. São eles À Beira Mar, de Joaquim Sapinho; Madalena, de Joana Pontes; O Pastor, de João Pedro Rodrigues; O Pomar, de Luís Fonseca; Máscara, de Fátima Ribeiro; e Figuras, de Filipe Abranches - todos no dia 16, às 21h30, numa sessão seguida de debate com a presença dos autores.

Entre eles estará Joana Pontes, com uma carreira firmada na televisão e no documentarismo, e que tem em Trás-os-Montes a obra preferida de Reis-Cordeiro. "É um filme sobre o tempo e eu percebi-o melhor quando estive a fazer o documentário sobre o Douro", diz, referindo-se a As Horas do Douro, co-realizado com António Barreto, com estreia anunciada para o próximo dia 29, no IndieLisboa.

Joana Pontes recorda Reis como "um homem de grande imaginação e criatividade", com "uma cabeça que andava muito depressa", e com quem aprendeu a desconfiar da primeira evidência das imagens. "Ele utilizava slides de pintura japonesa que desconhecíamos e mostrava-nos que havia sempre muito mais a ver do que nos parecia à primeira vista, mas também a fazer o inverso, a não perder a frescura do primeiro olhar."

Madalena, o filme de Joana Pontes que vai ser exibido, é a adaptação do texto de René Char, Madeleine qui veillait. Realizou-o com "a ajuda preciosa dos colegas da escola", e depois levou-o ao Festival de Cinema de Escolas de Rimini, em Itália. "Saí de lá muito frustrada, pois descobri que não tinha conseguido contar a história como o deveria ter feito." Joana Pontes não voltou a ver o seu filme depois dessa data, mas acalenta agora o projecto de voltar a realizar o texto de René Char, "de que António Reis gostava muito", recorda.

Entre os filmes a exibir na Mostra no Cinema São Jorge estarão 18 obras em antestreia produzidas no último ano.

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