Angola: Só o Tribunal Constitucional pode impedir esta barbaridade

Com a anunciada aprovação, hoje, duma Constituição absurda, que o Presidente José Eduardo dos Santos quer impor ao país, contrariando mesmo a filosofia e os programas do seu partido, sufragados pelas eleições legislativos de 5 e 6 de Setembro de 2008, vai dar-se um passo irreversível para se terminar de forma aviltada o processo constituinte que se vive presentemente em Angola.

A História da humanidade é prenhe em exemplos de como os maus precedentes podem ser fatais para a vida dos Estados.

A questão das normas constitucionais vigentes que vão ser violadas com este acto da Assembleia Nacional, nas vestes de Assembleia Constituinte, não pode ser tão despicienda como se pretende fazer passar, com o pretexto de que a maioria esmagadora do MPLA o justifica.

Esta não é apenas uma questão de ordem teórica defendida pelos grandes mestres do Direito. É algo que o Direito foi retirar das lições da História. Veja-se o caso do nazismo hitleriano. Para o caso concreto do constitucionalismo angolano, o artigo 159 surgira, exactamente, para acautelar que uma eventual maioria esmagadora pudesse alterar conquistas específicas no processo da construção de uma democracia pluralista, bem como a preservação dos princípios basilares de um Estado democrático e de direito, entre os quais a questão da separação material e formal dos órgãos nacionais de soberania.

Ora, será justamente a destruição deste mecanismo acautelatório a que vamos assistir, para além da consagração constitucional de outras práticas irregulares a que os angolanos foram submetidos, ao arrepio da lei constitucional em vigor durante o longo consulado do Presidente José Eduardo dos Santos, cuja necessidade de chegar ao fim ele próprio preconizara há cerca de cinco anos.

Eu, pessoalmente, alimento ainda a esperança de que, pela idoneidade dos juízes do Tribunal Constitucional, cuja actuação em relação ao assunto foi anunciada pelo presidente da Assembleia Nacional, Fernando da Piedade Dias dos Santos, "Nandó", e que, na minha óptica, se impõe ex officio, nos termos do artigo 135, número três, da lei constitucional, conjugado com a alínea "O" do artigo 16 da sua lei orgânica, sejamos poupados a assistir à anunciada barbaridade.

Marcolino Moco foi secretário-geral do MPLA em 1991-1992, primeiro-ministro angolano de 1992 a 1996 e secretário executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) de 1996 a 2000. Actualmente é doutorando em Direito na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

No fim do ano passado, numa carta ao actual secretário-geral, Dino Matross, e de que deu conhecimento ao PÚBLICO, reiterou que continua "ligado sentimentalmente" ao partido, "mas sem temor".
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