Estes rapazes fizeram-se

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“Two Dancers”, sem constituir uma ruptura em relação ao disco anterior, contém o grau suficiente de diferença para ultrapassar a linha que separa a irritação da aprovação sem reservas

Confessem, sim, vocês, "alternativos", melómanos "indie", gente de gosto imaculado: os ingleses Wild Beasts têm qualquer coisa de irritante. Se não se manifestam, fazemo-lo nós: o álbum de estreia, "Limbo, Panto", editado o ano passado, não era medíocre, mas irritante. Possuía aquele tipo de barroquismo que tanto serve para os Radiohead fazerem canções seminais, como abrir-nos a boca de bocejo. Depois havia as entrevistas: referências à poesia de Rimbaud ou a teorias freudianas sem que se percebesse bem porquê.

Mas o mais grave era a voz de Hayden Thorpe, espécie de Farinelli via Billy Mackenzie dos Associates, que tanto fascinava, como enfastiava.

O que é interessante é os Wild Beasts terem consciência disso. "Somos da província [Kendal], viemos de um meio adverso, nesse primeiro disco defendíamo-nos, queríamos afirmar a nossa voz e talvez tivesse existido algum excesso", confessa o baixista e cantor Tom Fleming. E a seguir, reforça. "Na nossa zona toda a gente expressa a zanga e a raiva assistindo a concertos de heavy-metal. Ser verdadeiramente provocador é, perante uma assistência de trabalhadores, ter um cantor de voz frágil e música luxuriante. Hayden sempre cantou assim, já nem damos por isso, mas há pessoas que estranham."

O segundo álbum, "Two Dancers", sem constituir uma ruptura, é diferente. Contém o grau suficiente de diferença para ultrapassar a linha ténue que separa a irritação da aprovação sem reservas. "É uma questão de proporção", ri-se Tom. "As canções são mais focadas. No primeiro álbum havia muitas ideias, o que é bom, mas também pode resultar em dispersão. Neste focamo-nos mais na essência de cada uma das canções."

O sonho e a realidade

Algo aconteceu, na verdade. Vocalmente, estão mais diversos. Andrew está menos teatral e agora é contrabalançado pelas vocalizações graves de Tom. Sonicamente, as canções são mais fluidas e organizadas.

"Aprendemos imenso no estúdio com o primeiro álbum. Pensávamos que éramos melhor banda, na forma como tocávamos juntos, do que éramos realmente", diz. "Cuidávamos imenso dos pormenores de estúdio e este foi feito de maneira mais espontânea. Tocávamos três ou quatro vezes a mesma canção em estúdio, todos juntos, e depois escolhíamos a versão que nos satisfazia. É um disco que nos aproxima mais daquilo que somos."

Ao lado de "xx" dos The xx ou de "Primary Colours" dos The Horrors - dois grupos com quem já andaram em digressão - é o tipo de álbum criativo que comprova que, finalmente, há em Inglaterra bandas capazes de fazerem frente ao domínio ianque dos últimos anos.

"O clima criativo, em Inglaterra, mudou muito no último ano", reconhece Tom. "Há um ano a rádio era dominada por bandas francamente chatas. No último ano as coisas modificarem-se. Talvez tenha a ver com a recessão. As pessoas têm pouco dinheiro e não o gastam em porcaria."

Por falar nos EUA, algumas das reacções mais entusiastas ao novo disco têm surgido dali. "No próximo ano vamos fazer uma longa digressão pelos EUA, estou muito ansioso". Por agora, a Europa. Quando falámos com ele estava em Berlim - "a minha cidade favorita da Europa" - e hoje é a vez de Lisboa. "O disco tem uma sonoridade calorosa que, de alguma forma, se perde ao vivo. Mas as pessoas aí podem esperar ritmo, guitarras, uma energia saudável", atira.

Ao longo do último ano, os rapazes da província correram mundo. Uma ficção tornada verdade. Pelo menos em teoria. "Crescemos imenso, claro, enquanto músicos e como pessoas" - e excita-se com a descrição de algumas cidades que conheceu, para logo de seguida refrear o entusiasmo. "Andar em digressão é bom, mas também é estranho. É ir aos sítios com que sempre se sonhou e não ter tempo para ver nada. É um sonho tornado realidade, mas nunca há tempo para a realidade."

As canções do novo disco acabaram por ser compostas entre viagens. Poder-se-ia pensar que as letras seriam diferentes. Mas não. Tal como já acontecia no primeiro álbum, as canções têm uma carga erótica sombria e Rimbaud volta a ser citado. "Hayden gosta muito de escritores contemporâneos como Ian McEwan, mas é verdade que todos temos uma fixação em Rimbaud. Na sua poesia existe uma vulnerabilidade, mistura de confusão e de lucidez profunda, que nos aproxima dele. É natural, na adolescência, essa energia em bruto, direccionada, de forma confusa, para todas as direcções."

E a seguir, conclui: "A nossa música é sensual, mas de forma directa. Em parte, talvez seja por isso, que ninguém lhe é indiferente e ainda irritamos tanta gente." 

Wild Beasts
Cinema São Jorge - Sala 1. Hoje, às 21h30

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