Errol Flynn, o Robin dos Bosques na Sierra Maestra

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Errol Flynn visitava Cuba desde os anos 30, desfrutando das praias da ilha, das regatas e dos casinos peter stackpole

"Castro estava sentado numa cama. Não consegui ver muito bem a cara dele. Tinha barba e estava ocupado: tinha o ouvido encostado a um pequeno receptor de rádio. Numa mesa, a menos de um metro dele, havia um revólver belga, uma arma de aspecto aterrador." Foi assim que Errol Flynn, o famoso actor de Hollywood das décadas de 1930, 1940 e 1950, descreveu o seu encontro com o líder da revolução cubana, Fidel Castro, no dia 27 de Dezembro de 1958, dias antes de os barbudos da Sierra Maestra terem entrado, vitoriosos, em Santiago de Cuba, depondo a ditadura de Fulgencio Baptista.

Poucos meses antes de morrer, em Outubro de 1959, o actor que deu corpo, no cinema, ao justiceiro Robin dos Bosques acompanhou aquela que lhe há-de ter parecido uma história parecida com a do mítico herói inglês: percebeu de que modo os revolucionários liderados por Fidel e Raúl personificavam, à época, a vontade do povo cubano, esmagado por um regime perverso e afastado dos opulentos hotéis e casinos reservados aos milionários estrangeiros. Flynn acompanhou, como repórter, os cinco dias finais da revolução e entrou com os barbudos em Santiago no dia de Ano Novo.

Os textos que Errol Flynn escreveu não chegaram, porém, às páginas do jornal que o tinha contratado, o New York Journal American. Uma das reportagens, Castro and I, foi publicada na revista cubana Bohemia algum tempo depois, mas o resto do material produzido pelo único correspondente norte-americano que acompanhou o triunfo dos revolucionários permaneceu guardado nos arquivos da Universidade do Texas, onde foi recentemente descoberto.

De acordo com a BBC, Errol Flynn explica nas reportagens que chegou a tentar ensinar Fidel Castro a falar em público, narrando ainda como, num breve encontro com Ernesto Guevara, o Che não o reconheceu. Apesar disso, Fidel terá dito ao actor-repórter que os cubanos acabariam por reconhecê-lo dos filmes. "Creio que ficarão contentes por ver que alguém famoso dos Estados Unidos, que talvez tenham visto no cinema, está suficientemente interessado para vir vê-los", transcreveu Flynn.

À conversa com Fidel

Num outro artigo, o actor conta alguns combates a que assistiu e o modo como acabou ferido numa perna, atingida pelo estilhaço de uma granada. O artigo da BBC não fornece, aliás, mais pormenores, mas, recorrendo à reportagem publicada na cubana Bohemia, é mesmo possível ler a descrição do voo que levou Errol Flynn até ao departamento do Oriente, onde chegou após a libertação do vale do rio Cauto. "O piloto tinha uma espingarda ao seu lado e contou-me que estava carregada e com uma bala na câmara, para o caso de ser capturado." Duas horas depois de deixar Flynn no território libertado, o aviador terá mesmo acabado por ser abatido.

A conversa com Fidel, com a ajuda de um intérprete, é também minuciosamente descrita no artigo publicado na Bohemia. "Devo chamar-lhe comandante ou senhor Castro?", perguntou Flynn. "Chame-me como toda a gente, Fidel", terá respondido o guerrilheiro, acrescentando que o actor era livre para fazer o que quisesse, com quem quisesse, o que incluía fotografá-lo a ele ou a qualquer outra pessoa que ali estivesse. "É totalmente livre para fazê-lo", repetiu Fidel, hoje retirado do poder por motivos de saúde (foi Presidente de Cuba entre 1976 e 2008).

Castro terá ainda recusado partilhar um trago de rum com Errol Flynn: "Ele não gostava de nenhum tipo de bebida alcoólica. Disse-me: "Eu padecia do mesmo, mas, graças a uma grande disciplina, consegui ultrapassar essa necessidade.""

Na reportagem, o actor conta ainda como acompanhou Fidel na viagem de jipe em que atravessou o país usando estradas bastante difíceis, visitando as cidades já libertadas. "Pensei que iria cansá-lo, mas, na verdade, foi ele que quase me matou com aquela viagem de vários dias por estradas poeirentas", escreveu Flynn. E depois, subitamente, o actor e o fotógrafo que o acompanhava foram acordados e perceberam que estavam a entrar em Santiago. "Eu era o único correspondente de guerra americano que estava com Castro e mais ninguém dos Estados Unidos podia estar com ele", escreveu.

"Errol adorava heróis e eu creio que ele pensou que Castro era apenas um bom tipo que tentava libertar o seu país para o entregar aos cidadãos comuns", conta, no artigo da BBC que deu conta da descoberta das reportagens, Beverly Aadland, a então jovem namorada de Flynn, que o acompanhou naquela viagem a Cuba, alegadamente para procurar locais para a rodagem de um filme. "Nem era mentira, já que eu tinha inicialmente pensado entrevistar Fidel Castro para um filme sobre ele e o movimento que encabeçava", escreveu ainda o actor no artigo Castro and I.

Mais tarde, ainda na Primavera de 1959, Flynn rodaria, de facto, o filme Cuban Rebel Girls, que praticamente ninguém viu e que contava com Beverly Aadland no papel de uma inocente tradutora. Nesse ano, o actor deixou ainda montado o documentário The Cuban Story, que conta com imagens captadas desde 1953, com a participação do actor. O filme só viria a ser exibido em 1960, em Moscovo, tendo sido redescoberto depois em 2001 e lançado em DVD no ano seguinte.

Sempre politizado

A presença de Errol Flynn junto dos revolucionários causou, à época, alguma polémica, tendo surgido rumores segundo os quais o actor terá chegado a lutar ao lado dos rebeldes cubanos. Logo em Janeiro de 1959, aliás, o "capitão Blood" foi entrevistado num programa da Canadian Broadcasting Corporation, no qual desmentiu ter-se envolvido a esse ponto: "Não peguei em nada mais perigoso do que uma esferográfica", garantiu Flynn, acrescentando que Fidel Castro, durante aqueles dias, superara as melhores expectativas que dele tinha.

Instado a justificar as execuções sem julgamento das quais já então havia notícia, Errol Flynn foi evasivo: "Não justifico. Fidel disse-me que aqueles que tinham feito coisas horríveis teriam direito a justiça. Mas há pessoas mais radicais no movimento e creio que, durante uma revolução, não é possível controlar as pessoas mais selvagens", respondeu.

À BBC, o escritor cubano Carlos Eire, agora exilado, considera, aliás, que, no início de 1959, o programa de Fidel era completamente democrático. "Para um actor de Hollywood que deu corpo a Robin dos Bosques, a imagem de um tipo a lutar nas montanhas para libertar um país há-de ter parecido a concretização da ficção. Acho que Castro também o enganou a ele", disse o escritor.

"O meu pai nunca pensou que Castro viria a transformar-se num comunista", concorda Rory Flynn, uma das filhas do actor. "O meu pai não era só o actor mulherengo e hedonista que dele fazem. Era um homem sério, pensava nas coisas, escreveu livros, poemas e documentários. Acho que, no fundo, ele era um jornalista", disse à BBC.

Errol Flynn, refira-se, visitava Cuba desde os anos 1930, participando do mesmo estilo de vida hedonista pelo qual a ilha se tornara famosa entre os mais abastados norte-americanos, que a transformaram naquilo a que os revolucionários chamavam "um bordel". Num vídeo disponível no YouTube, em parte de The Cuban Storyo actor mostra, aliás, esse lado glamoroso do país, sempre entre beldades e à beira de mesas de roleta e black-jack, mas aproveita para recordar também os desafortunados e pobres que habitavam o lado normalmente escondido da ilha - "aqueles que não têm lugar nos casinos e nos clubes nocturnos".

O interesse de Errol Flynn pela política não era já novidade no final da década de 1950, altura em que a sua carreira entrara em acentuado declínio e o actor se via obrigado a responder a vários processos judiciais e até a acusações de violação ou de ter sido um espião nazi.

Já nos anos 1930 Errol Flynn tinha seguido o rasto de Ernest Hemingway (cuja quinta cubana também visitou) e tomado parte da Guerra Civil de Espanha enquanto simpatizante dos republicanos. Em Fevereiro de 1937, o actor esteve até em Madrid, condenou Franco, foi baleado e sobreviveu a um ataque aéreo, revelando, afinal, ter mais sorte do que o seu filho Sean, desaparecido em 1970, durante a Guerra do Vietname, que acompanhava como repórter da revista Time.

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