A esfinge

Provavelmente, só há uma gaveta onde se pode encaixar a terceira longa do napolitano Paolo Sorrentino - a da sátira sociopolítica, género em que o cinema italiano foi forte durante muito tempo, ou não fosse "Il Divo" uma espécie de biografia não-autorizada do político Giulio Andreotti, por sete vezes primeiro-ministro. Mas qualquer semelhança do filme de Sorrentino (Prémio do Júri em Cannes 2008) com uma sátira tradicional acaba no seu tema e no tom de irrisão semi-cínica, semi-desesperada.


No resto, "Il Divo" abdica de todas as âncoras e convenções do "biopic" tradicional para se tornar numa metáfora surreal, quase experimental, da história contemporânea de um país afectado por uma ferida aberta que nunca sarou (o assassinato de Aldo Moro pelas Brigadas Vermelhas em 1978) e corporizado numa única personagem situada no ponto exacto onde a política, a sociedade, a religião, a corrupção, o crime confluem e se cruzam.

Andreotti interessa a Sorrentino enquanto espelho e consubstanciação de uma Itália contemporânea, prisioneira de um sistema político fechado sobre si mesmo, quase autista na medida em que parece existir apenas para se auto-perpetuar. E, se o verdadeiro Andreotti é uma figura esfíngica, esquiva, quase inatingível, mestre maquiavélico na arte da política, o filme que Sorrentino lhe dedica é igualmente esfíngico, esquivo, frio, uma fantasia barroca que exulta com e não raras vezes se compraz no deslumbrante formalismo audiovisual que o cineasta transalpino exibe com destreza. Por trás do qual não existe verdadeiramente compaixão pelo seu "herói" nominal mas, pelo menos, uma consciência da solidão absoluta do poder, magistralmente traduzida na composição alucinantemente controlada de Toni Servillo.

Não há gargalhadas em "Il Divo": é um filme que joga no mesmo desconforto, por exemplo, do infinitamente superior "Gomorra", outro olhar desencantado sobre a Itália contemporânea. Mas esse desconforto, aqui, dilui-se num virtuosismo formal que esvazia o filme de emoção e torna muito difícil a um espectador (sobretudo um espectador cpm pouco conhecimento da política italiana) embarcar na viagem.

Admiramos "Il Divo"? Sem reservas, pela inteligência e pelo evidente talento de que faz prova, pelo seu experimentalismo e pela sua ousadia formais. Gostamos de "Il Divo"? Ora aí está uma pergunta à qual não sabemos realmente responder...

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