Isto é hardcore

"Brüno" é um filme explícito e a sua estrutura é a repetição: muda o quarto, não saímos do sexo. O que, como num porno, é uma experiência de tolerância limitada. Mas é de admirar a ferocidade de Sacha Baron Cohen.

Talvez seja altura de começarmos a pedir a Sacha Baron Cohen, e a quem faz os filmes com ele, que nos dê mais cinema e não apenas emanação do(s) pequeno(s) ecrã(s), TV ou YouTube - que é o "habitat" destes "apanhados", da sua estética e da sua ética. Mas não é razão para não admirarmos a ferocidade e a coragem física de Cohen, que se não mergulha, para bem da sua saúde mental, nas profundezas esquizofrénicas das "performances" do norte-americano Andy Kaufman (1949-1984) - o humorista (neste caso ajuda pouco o termo...) que fez de "humor" outro nome para loucura - partilha a mesma pulsão "kamikaze".


Tivemos Borat, temos Brüno, outra personagem que o britânico Cohen desenvolveu no seu "show" televisivo - é o jornalista de moda austríaco, homossexual, que ambiciona a notoriedade de outro austríaco, o pequeno Adolf. Depois de estragar "shows" de moda na Europa, onde se torna "persona non grata", Brüno parte para a América para ser célebre entre as celebridades. E aí junta-se a fome com a vontade de comer...E em "Brüno" junta-se a "câmara escondida" com a encenação, os "apanhados" e a simulação de espontaneidade, e o resultado é próximo de uma orgia confrontacional. Sexo, sexo, sexo, sobretudo sexo, atirado à cara - literalmente, pois até há uma altura em que temos a sensação de que se nos mexermos muito na cadeira da sala de cinema apanhamos com um pénis que abana no ecrã. Como num porno, "Brüno" é um filme explícito e a sua estrutura é a repetição: muda o quarto mas nunca saímos da cama, o que, e isso acontece quando se assiste a um porno, é uma experiência de tolerância limitada - aliás, "Brüno" não só progride através da repetição como todas as situações criadas são variações das posições mais ou menos acrobáticas de "Borat".

O que é espontâneo e o que é encenado? O que é imaculadamente suicidário na "performance" de Sacha Baron Cohen e o que é que foi assistido? É o que podemos perguntar, com maiores ou menores certezas, perante o "foreplay" homossexual em ringue de wrestling, com multidão a vaiar os actos, perante a ofensa a LaToya Jackson (ao que se diz, sequência cortada no mercado americano por respeito a Michael), perante a tentativa de engate do senador republicano Ron Paul, perante a aventura pelo Médio Oriente onde Brüno confunde "hummus" com "Hamas" ou perante o anúncio da adopção de bebé negro em "talk show" com assistência afro-americana chocada. Essas dúvidas, contudo, não nos salvam do desconforto.

Porque - é a principal diferença entre Sacha Baron Cohen e outro especialista em "apanhados", Michael Moore - o que se passa no ecrã nunca é apenas uma questão entre o comediante e as suas "vítimas"; o que se passa no ecrã nunca deixa o espectador em lugar seguro. Sacha Baron Cohen/Brüno não é o justiceiro que denuncia, nem o filme é a clássica demonstração de uma aventura de denúncia. Sacha Baron Cohen/Brüno e o espectador fazem parte da história. O filme não é o que se passa no ecrã, o "filme" é o que se passa entre o ecrã e o espectador. Tudo encenado ou tudo espontâneo - "Brüno" é um filme que procura determinadamente os seus efeitos -, é tudo feito para nos envolver. Para nos envolver? Para nos agredir, saquear. A prova de que o que se passa em "Brüno" não se passou entre "eles", comediante e um "apanhado", mas passa-se entre "nós", está na mais incómoda "performance" de um destemido actor que temos visto ultimamente: ele, sozinho, sem "partenaire", pois o "partenaire" é um fantasma, tacteando, lambendo as várias hipóteses de uma ementa sexual. Imaginando e puxando pela nossa imaginação. É hardcore.NR: A versão que a distribuidora Columbia mostrou à imprensa continha uma sequência, com Latoya Jackson, que foi cortada da versão distribuida comercialmente

Trailer
Sugerir correcção
Comentar