O factor humano

Não havia necessidade de um quarto "Terminator" mas já que ele existe ainda bem que honra os pergaminhos da série.

A certa altura de "Exterminador Implacável: A Salvação", Christian Bale, no papel de John Connor, diz a quem o quiser ouvir que "se este ataque for para a frente, então a humanidade está perdida". E toda esta quarta aventura dos rebeldes do futuro em guerra contra as máquinas que destruiram a humanidade gira à volta do que significa ser humano, espontâneo, inconfundível, e que é aquilo que nos diferencia da máquina.


A ironia é enorme: que, 25 anos depois do primeiro "Exterminador Implacável", a série chegue ao quarto filme (e a uma série televisiva entretanto cancelada) é exactamente sinal que "a humanidade está perdida" - se usarmos esse pronunciamento como metáfora para uma Hollywood que já não sabe o que fazer para alimentar a máquina do blockbuster veraneante e se refugia cada vez mais em sequelas que existem apenas pela necessidade de escoar "produto" para as salas. Depois dos "Exterminador Implacável" originais de James Cameron (1984 e 1991), a verdade é que nem o terceiro filme, dirigido por Jonathan Mostow ("...Ascensão das Máquinas", 2003), nem este quarto, entregue a McG (autor dos dois esgrouviadíssimos filmes dos "Anjos de Charlie"), fazem falta ao "franchise".

Mas, já que Hollywood quis que eles existissem, ainda bem que foram feitos com um mínimo de integridade, inscrevendo-se inteligentemente no contínuo da série com um respeito que merece ser saudado. Este quarto filme preenche um pouco mais a história de John Connor entre o Dia do Julgamento e a viagem no tempo que desencadeia a série no filme original de Cameron, contando o encontro entre Connor e aquele que virá a ser o seu pai, Kyle Reese, e avança um pouco mais a evolução tecnológica dos Exterminadores. O modo como "...A Salvação" (escrito por John Brancato e Michael Ferris, argumentistas do "Jogo" de David Fincher, já responsáveis pelo terceiro filme) se mantém fiel aos temas e ao espírito da série é notável, cheio de piscadelas de olho e pequenos "ovos de Páscoa" referenciando os filmes anteriores. Christian Bale traz a intensidade que lhe conhecemos ao papel de Connor, mas o australiano Sam Worthington rouba-lhe o filme no papel de Marcus Wright, um criminoso condenado à morte que assume (ou talvez não...) o papel de "defensor" que Arnold Schwarzenegger tinha nos segundo e terceiro filmes. Apostamos que "...A Salvação" é filme para fazer de Worthington - que, ainda por cima, vai estar no final do ano no "Avatar" de Cameron... - a estrela que o original fez de Schwarzenegger.

Ora, o original não queria ser mais do que uma série B desempoeirada, na linhagem de Roger Corman (com quem Cameron trabalhara), e a sua popularidade apanhou toda a gente de surpresa. E tanto "...Ascensão das Máquinas" como este quarto filme têm a inteligência de não serem mais do que o original queria ser no seu tempo: séries B desempoeiradas, cumprindo a sua função de modo honesto. "...A Salvação" não quer ser mais do que aquilo é e isso é algo de admirável, sobretudo no seu respeito teimoso pelas regras e limites do "franchise" - mesmo que isso implique faltar-lhe um mínimo de personalidade.

Ora, isso apenas torna a ironia maior: aquilo que "salva" este quarto "Terminator" - a sua inscrição sem surpresas nem inovações na série - é também aquilo que o "condena". Porque é precisamente esse o calcanhar de Aquiles do filme: a ausência de personalidade e espontaneidade. Sem o entusiasmo e a vivacidade que McG soubera colocar nos filmes dos "Anjos de Charlie", aqui substituidos por uma energia esgotante espalhada por uma série de sequências de acção pensadas à medida para atracção de parque de diversões ou tarefa a cumprir em video-jogo, e abafados por uma paleta de cores metálicas, "...A Salvação" não passa de uma máquina meticulosamente programada para fazer bilheteira e impressionar adolescentes. E que a melhor interpretação de um filme que defende o humano contra o tecnológico pertença a um actor que representa um homem-máquina parece ter escapado a quem o fez...

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