Universidade do Algarve lança projecto em defesa das tartarugas marinhas

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Os projectos turísticos devem ser adaptados aos ecossistemas Juan Medina/Reuters

O empregado de mesa pede à cozinheira: "Sai um bife de vaca do mar, de preferência bem passado." Um habitante de Cabo Verde não estranhará o pedido, mas um investigador da Universidade do Algarve (Ualg) que estude tartarugas marinhas perguntar-se-á: "Existe vaca no mar?" Afinal, trata-se de uma forma usada em países africanos para contornar a legislação que proíbe a captura de tartarugas.

O projecto Sada - nome popular de uma espécie de tartaruga - inverteu a tendência da chacina destes animais na ilha de Santiago, em Cabo Verde. A próxima cruzada do grupo de estudos da Ualg vai decorrer em São Tomé e Príncipe. O Oceanário de Lisboa é o principal patrocinador do programa em defesa das tartarugas, cobiçadas pelas populações locais pela qualidade da carne, e pela carapaça, da qual são feitos peças artesanais - aros de óculos, pentes e pulseiras. Ao pénis do animal é ainda atribuída uma crença relacionada com o vigor sexual. O resultado, segundo Nuno Loureiro, da Ualg, leva que a população de tartarugas em São Tomé "esteja no limitar da extinção".

"Ou se consegue travar já as capturas, ou daqui por cinco anos é tarde", acrescenta o investigador. As estimativas apontam para a existência de 40 a 50 fêmeas reprodutoras, da espécie Sada (também conhecida por tartaruga-pente). "Encontra-se no fio da navalha", sublinha. O grupo de trabalho conta ainda com apoio científico da Universidade de Las Palmas (Canárias) e o Conselho Superior de Investigação Científica de Sevilha.

Perdiz ou coelho bravo

Para tentar inverter uma prática enraizada nos hábitos locais, o governo regional do Príncipe comprometeu-se a aprovar, em Maio, uma lei que proíba a caça destes animais. A tartaruga, diz o investigador, "está para os habitantes destas ilhas como a perdiz ou o coelho bravo está para nós, caça-se e come-se desde sempre". Por isso, levar uma população privada de bens essenciais a colaborar na defesa da biodiversidade não parece ser fácil.

Partindo da experiência em Cabo Verde, Nuno Loureiro acha que vai conseguir colocar do seu lado a população. A primeira acção será oferecer equipamentos de mergulho a troco da colaboração dos pescadores na defesa das tartarugas. Por outro lado, procura arranjar arcas frigoríficas, a energia solar, para ceder a pescadores.

As entidades internacionais duvidam da eficácia dos programas a favor da biodiversidade nestas regiões. Até porque, acrescenta Nuno Loureiro, a Comunidade Europeia já investiu "muito dinheiro", nos anos de 1990, em São Tomé e Príncipe, no Projecto Tàtô (nome popular de outra espécie de tartaruga). "Criou-se uma população dependente das ajudas, mas quando acabou o dinheiro voltou tudo ao mesmo: à morte das tartarugas."

Por cada animal capturado, para estudo, pagava-se 80 a 100 euros. Uma remuneração significativa, quando o salário médio mensal, na época, rondava os dez a 15 euros. Mas "hoje contam-se pelos dedos o número de tartarugas Tàtô".

A investigação a favor das tartarugas marinhas na ilha de Santiago começou há três anos, com um trabalho de final de curso de alunos cabo-verdianos na Universidade do Algarve. A ideia inicial era apresentar um programa eco-turismo, baseado no windsurf, passeios de barco e pesca. Nuno Loureiro foi à ilha ver como estava a decorrer o estágio e deu de caras com os répteis, à noite, a passear na praia. "Windsurf há em centenas de sítios no mundo, tartarugas é que é raro", disse. Nesse sentido, antes de se criar um programa turístico, defende que "o que há a fazer é evitar que se matem as tartarugas".

Só a lei de defesa das tartarugas não as salva da morte

O investigador da Universidade do Algarve admite que "falar em sensibilização ambiental numa população no limiar da pobreza é esotérico". Nuno Loureiro mantêm desde há três anos, em Cabo Verde, uma campanha em defesa das tartarugas marinhas.

Quando questiona os habitantes sobre as suas motivações, respondem-lhe com simplicidade: "Se vou ao mercado e a tartaruga for mais barata do que o frango, compro tartaruga". Perante esta realidade a solução passa por tornar a captura das tartarugas um assunto "desconfortável para o poder político". O passo seguinte, para conquistar a população para a defesa das tartarugas, foi oferecer emprego como "guardas" dos animais aos que os caçavam. Deste modo, fura-se o circuito da clandestinidade desde o rapaz que apanha na praia até à mulher que vende: "Passam a ganhar mais para proteger do que com a morte dos animais".

Durante Julho, Agosto e Setembro, quando há posturas, auferem um salário de 300 euros por mês, mais do que o ordenado de um professor do ensino secundário. Assim, "todos querem defender as tartarugas". O certo é que o objectivo do programa foi alcançado: "O ano passado não se matou uma tartaruga." Foram identificadas 40 a 50 fêmeas.

Voluntários para a próxima campanha podem obter informações no site tartarugascaboverde.worldpress.com. Uma tartaruga que nasça em Cabo Verde migra para a costa americana, à boleia das correntes, faz mais de três mil quilómetros, e após 25 anos volta à praia de origem para pôr os ovos. O controlo das espécies, neste programa, é feito através da análise do ADN, na Universidade do Algarve, pela biotecnóloga Deborah Power.

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