Tempos de Verão

Uma miniatura outonal sobre o tempo que passa

Não se deixem enganar pelo título: "Tempos de Verão" é uma miniatura outonal sobre a ausência, sobre o tempo que passa e o que vai ficando connosco daqueles que deixamos para trás, exercício elegante mas progressivamente mais vão sobre o modo como a vida continua. No caso, tudo roda à volta da casa de campo onde Hélène vive com a empregada, dedicada a preservar a memória e a colecção privada de obras de arte e móveis de época do tio, ele próprio artista consagrado.


Quando Hélène morre, as suas previsões prescientes sobre as partilhas são confirmadas pelo comportamento dos três filhos, dois dos quais têm vida feita no estrangeiro - desenhando com elegância o equilíbrio difícil entre a emocionalidade e o pragmatismo, mas também o jogo de trocas e equivalências entre o público e o privado, entre o valor pessoal, sentimental, que atribuímos a um objecto, e o modo como o tempo se encarrega de o fazer desaparecer.

Não por acaso, tudo gira à volta de uma colecção "de museu", da memória que cada peça transporta e do modo como ela é transmitida de uma esfera eminentemente privada, de uso diário e significado pessoal, para uma esfera pública onde esse valor se dilui numa espécie de utilidade abstracta, numa admiração distante.

A questão que complica "Tempos de Verão" é que o filme acaba por fazer um percurso semelhante, começando como exemplar drama familiar mas escorregando, à medida que o tempo passa e que as partilhas são feitas, para um objecto distante, frio, razoavelmente vão. Como se Assayas já não tivesse mais nada para dizer e se afadigasse em "justificar" o que começou por ser uma encomenda - o filme junta-se a "O Voo do Balão Vermelho", de Hou Hsiao-Hsien, num lote de projectos co-financiados pelo museu de Orsay por ocasião do seu 20º aniversário.

É pena que assim seja, porque a primeira metade (que tem algo, ao mesmo tempo, de Renoir e de Téchiné - ou de Téchiné a invocar Renoir), pontuada pela presença sublime da veterana Edith Scob, é fulgurante na sua simplicidade formal e delicadeza emocional. E ainda não é desta que Assayas, um dos mais interessantes (mas também dos mais desiguais) cineastas franceses da actualidade, assina um filme à altura do soberbo "Clean".

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