A inocência de Rambow

"Filho de Rambow" é uma delícia, daquelas que nos passa ao lado sem darmos por isso.

Não, o "w" a mais em "Rambo" no título não é gralha, distracção ou erro: é mesmo propositado, porque o "filho de Rambow" a que se refere é um colegial inglês criado numa religião austera e hiper-regimentada que proibe a televisão, o cinema e outras distracções modernas.

Órfão de pai que se refugia nas ilustrações fantásticas que vai desenhando nas margens da Bíblia e numa imaginação fervilhante, Will acaba por descobrir o escape perfeito da sua realidade cinzenta quando o acaso o põe no caminho de um colega de colégio espertalhão e gazeteiro que usa a câmara primitiva do irmão mais velho para fazer um "home movie" para enviar a um concurso da BBC e lhe mostra uma cópia pirateada do primeiro filme de Rambo, "A Fúria do Herói", filmada com a câmara primitiva numa sessão do cinema local.

Estamos na pequena Grã- Bretanha do início dos anos 1980 e o que se segue é hora e meia de um encantador exercício sobre o poder da inocência e a magia do cinema, convenientemente sublinhado pelos deliciosamente artesanais efeitos visuais e animações que Garth Jennings transportou da sua experiência de realizador para telediscos dos R. E. M., Supergrass ou Blur. "Filho de Rambow" podia muito facilmente escorregar para a nostalgia serôdia dos "bons velhos tempos" de criança, mas consegue sempre evitá-la graças à irrisão que o distanciamento permite (meu Deus, aqueles penteados, aquelas maquilhagens, aquele guarda-roupa, aquele estudante francês pretensamente "cool"!) e à pontaria emocional com que Jennings conta esta história de miúdos que constroem o seu próprio mundo para compensarem o que não têm no mundo real.

E que não se pense que, apesar disso, é fita para miúdos - eles podem ir sem problema, mas o que interessa aqui vai-lhes passar ao lado. "Filho de Rambow" é uma pequena delícia, daquelas que nos passa ao lado sem darmos por isso e depois nos perguntamos como foi possível falhá-la.

E que tal se não a falhasse?

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