Krzysztof Warlikowski polaco provocador

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É um dos jovens encenadores mais reconhecidos na Europa. Portugal vai descobri-lo agora, com a peça "Krum", do dramaturgo israelita Hanoch Levin, no CCB. Ousado, perfeccionista e provocador Krzysztof Warlikowski quer "acordar" o público.

Chegou a Paris em 1983 e levava na bagagem os cursos de História, Filosofia e Filologia Românica da Universidade Jagiellonian, em Cracóvia.Tinha 21 anos e não quis dar tréguas aos estudos. Inscreveu-se num seminário sobre história do teatro grego na Ecole Pratique des Hautes Etudes e frequentou os cursos de Filosofia e Literatura Francesa.Ao longo de cinco anos, antes de regressar à Polónia, Krzysztof Warlikowski (Szczecin, 1962) que está pela primeira vez em Portugal com o espectáculo "Krum", nos dias 22 e 23 no Centro Cultural de Belém, em Lisboa viu muitos espectáculos. Mas não passava as noites a assistir a peças de teatro.

Preferia a ópera e a dança. No teatro não encontrou "produções revolucionárias", mas, em alguns casos, deparou-se com peças "indubitavelmente belas", disse à publicação trimestral polaca "Theatre Notebook".A queda do regime comunista na Polónia, em 1989, e o apelo dos novos tempos apressaram-lhe o regresso a casa. A encenação estava já na sua mira. E não tardou para que fizesse os exames para a Escola Superior de Teatro de Cracóvia. Foi ali que conheceu o encenador Krystian Lupa, então professor.

Durante a estadia em Cracóvia viu inúmeras peças, num momento em que os palcos expurgavam o teatro político e acolhiam de braços abertos as produções tidas como libertárias. A sexualidade era um dos temas preferidos."O primeiro movimento de despertar foi dramático", recordou numa entrevista a Jean-François Perrier.

Cracóvia permitiu-lhe assistir, na primeira fila, às mudanças produzidas pela queda do Bloco de Leste. Mas também lhe deu a conhecer os seus futuros mentores Peter Brook, Ingmar Bergman e Giorgio Strehler. Warlikowski estava longe de imaginar que, à excepção de Bergman, num futuro não muito distante trabalharia com os seus mestres.

Para o trabalho de final de curso, fez a adaptação teatral do livro "Auto de Fé", de Elias Canetti (Nobel da Literatura em 1981), centrado na loucura, e ainda em 1992 adaptou outro romance, "Noites Brancas", de Dostoievski. As criações impressionaram Peter Brook e, em poucos meses, Warlikowski viajou de novo para Paris (Théâtre Bouffes du Nord) para trabalhar como assistente de encenação numa ópera baseada na "Pélleas et Mélisande", de Debussy.

As peças para a escola deixaram rasto. Mal acabou o trabalho com Brook, rumou de novo para Cracóvia, desta vez para ser assistente de encenação de Lupa no espectáculo "Malte", baseado no livro "Os Cadernos de Malte Laurids Brigge", de Rilke.Em 1993, estava pronto para a sua primeira criação profissional: fez a adaptação de "A Marquesa de O.", de Heinrich von Kleist, no Stary de Cracóvia.Um ano depois reincidiu nos romances e atirou-se para uma tarefa hercúlea: no Piccolo de Milão encenou "Em Busca do Tempo Perdido", de Marcel Proust, sob a supervisão de Strehler. A experiência não deixou boas recordações. Warlikowski começou a despedir-se das adaptações de obras romanescas. Os romances "não são matéria teatral", dirá mais tarde. 

Koltès foi o seu psicanalista

Após a frustrante experiência proustiana mergulhou nos autores dramáticos. Recuou até à dramaturgia francesa do século XIX e encenou (94) a comédia "L'Affaire de la rue de Lourcine", de Eugène Labiche. Estava perto de descobrir aquilo que queria fazer "devemos falar directamente para o público sobre aquilo que lhe diz respeito, para o acordar." Foi Bernard-Marie Koltès quem lhe deu a mão. Encenou "Roberto Zucco" e "Cais Oeste". Koltès foi o psicanalista de Warlikowski. "Com ele percebi que precisava de tentar compreender-me, compreender a minha sexualidade, compreender por que razão tinha deixado o meu país, por que rompi com a minha família, por que quis ser eu próprio na minha diferença. (...) Ajudou-me a fazer um trabalho artístico que era um reflexo de mim, sem ter medo de me expor. Era preciso ser violentamente, apaixonadamente eu mesmo na minha prática artística", explicou na entrevista a Perrier.

Koltès deu-lhe raízes e Shakespeare tornou-se a sua Bíblia. "Shakespeare é o mestre da perfeição". A partir de meados dos anos 90 começou a professar o universo shakespeariano desde então encenou uma dezena de peças do autor, infringindo as regras do teatro isabelino. Quando encena um texto clássico gosta de arriscar novas abordagens. "Não há princípios que sejam válidos em qualquer circunstância", defendeu.Em 2001, estreou-se no Festival de Avignon com "Hamlet". Roman Pawlowski, do jornal polaco "Gazeta Wyborcza", definiu os traços das suas incursões em Shakespeare: "Warlikowski reconstruiu o significado destas peças, filtrando-as através do pensamento contemporâneo." Através de Shakespeare e, pelo meio de Witold Gombrowicz, Koltès, Kafka ou Sarah Kane ele repetia (e repete) incessantemente questões sobre a espiritualidade e a identidade sexual dois dos temas mais recorrentes nas suas criações.

Os autores gregos ocuparam um lugar de fascínio no seu trabalho nos finais de 90 e foi a obra "Electra", de Sófocles, que assinalou a sua estreia na dramaturgia grega clássica. Seguiram-se "As Fenícias" e "As Bacantes", ambas de Eurípedes.2000 foi o ano em que Warlikowski debutou nos palcos operáticos, com a encenação de "The Music Programme", de Roxanna Panufnik, numa co-produção britânica e polaca.No mesmo ano encenou "Dom Carlos", de Verdi, e nos anos seguintes (até 2003) fez "The Ignoramus and The Madam", de Pawel Mykietyn, "Tattooed Tongues", de Martijn Padding e "Ubu Rex", de Krzysztof Penderecki.Sarah Kane entrou na vida do encenador em 2001. Depois da estreia em Wroclaw, ele levou o seu "Purificados" para Avignon (2002) e deixou o público extasiado. "Uma perfeição artística", definiu Janusz Majcherek na revista "Teatr". Warlikowski tornou-se, então, uma presença assídua em Avignon: em 2003 apresentou "The Dibbuk", adaptação da obra homónima de Solomon Anski; e em 2005 foi a vez de "Krum", de Hanoch Levin (ver texto ao lado). Para a edição deste ano do festival, escolheu "Angels in America", obra aclamada de Tony Kushner.

Há vários anos que Warlikowski gosta de trabalhar com o mesmo elenco e os nomes da cenógrafa Malgorzata Szczesniak e do compositor Pawel Mykietyn estão-lhe quase sempre associados.

Obstinado, caprichoso, perfeccionista e ousado são alguns dos epítetos que a crítica atribui àquele que é um dos representantes da nova geração de encenadores europeus, actualmente a viver em Varsóvia. A honestidade que emerge nas suas criações acolhe o consenso do público e da crítica."Ele acredita que a honestidade é um pré-requisito para abordar a culpa, a identidade sexual e a natureza humana", notou Piotr Gruszczynski no "Theatre Notebook".   

"'Krum' é a minha história" 

"Krum", de Hanoch Levin, assinala a estreia em Portugal do trabalho do encenador Krzysztof Warlikowski. A ideia de montar este espectáculo tem quatro anos. "Depois de 'The Dibbuk', de Anski, quis fazer algo terapêutico. Quando li o texto pensei na minha própria situação: longe do meu país e da minha cidade, Szczecin, que era alemã antes da guerra.

No fundo, estava a ler a minha história. Naquela altura, hesitei um pouco porque estava longe daquilo que me propunha fazer, mas 'Krum' dava-me a possibilidade de me confrontar comigo próprio", diz-nos, numa conversa telefónica desde Valence, Sudeste de França.Warlikowski não gosta de dar entrevistas. Já o sabíamos. Não deixou de lembrar isso mesmo, começando por dizer que "é raro fazer isto". Prometemos ser rápidos e ele, na sua voz pausada, acabou por responder a mais perguntas do que prevíamos.

No texto de Levin, o encenador descobriu especificidades do seu país. "Olhando para França ou para a Alemanha, nós somos a província. E há aqui também uma ligação com o cinema polaco, que transmite muito essa ideia do lado provinciano da vida." Na busca de textos dramáticos, Warlikowski procura aproximações à sua realidade. Ele abandonou a Polónia em 1983, retornando somente com a queda do regime comunista. Olhamos para "Krum" e vemos o regresso a casa do filho pródigo, rosto do "american dream" desfeito. "É um homem sem qualidades. Quando caiu a 'cortina de ferro' esse 'american dream' era algo muito forte na nossa imaginação. Depois, quando viajámos para o exterior, o sonho já não estava lá. Faz parte da vida termos estes sonhos que nunca se realizam." Na estreia em Varsóvia, em 2003, os polacos acolheram com grado a escolha de Warlikowski. "Acho que ficaram gratos por verem no palco representações de pessoas sem sucesso na vida." Contudo, o cariz depressivo do texto levou-o a incorporar na peça "momentos de felicidade": imagens da vida de uma cidade projectadas num ecrã. "Quis mostrar pequenos momentos de felicidade ao mesmo tempo que se reflectia sobre as nossas frustrações, sobre a falta de sucesso. O filme, gravado em Israel (um país exótico para os polacos), é o contraponto da visão depressiva do mundo." Warlikowski não se demarca dessa "nova geração" de criadores polacos que "radicalizou" o teatro. Aquilo que procura é o insistente questionamento da natureza humana. "A minha última encenação foi 'Angels in America' [de Tony Kushner], uma visão da sociedade que na Polónia foi interpretada como radical. Agora que terminei esta produção, gostaria de encontrar mais textos como este. Estou à procura." 

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