Maroto, mas não bronco

Não é exactamente a frase mais romântica do mundo, mas tem a sua quota-parte de verdade: o amor, quando acaba, é como "Os Sopranos": acabou, arranjem outra série! A ironia da frase está, claro, toda em ser usada num filme que emprega talento proveniente da televisão a interpretar personagens que vivem da televisão - e que é, de caminho, uma das melhores comédias americanas recentes.

Não é surpresa, "Um Belo Par... de Patins" (já vamos ao título) é o mais recente produto da "linha de montagem" gerida pelo realizador de "Virgem aos 40 Anos" e "Um Azar do Caraças", co-argumentista de fitas como "As Corridas Loucas de Ricky Bobby" e produtor de "Super- Baldas", Judd Apatow (aqui apenas produtor). No entanto, nem esse recomendável "pedigree" faria prever uma comédia desconcertantemente romântica onde o herói tem um meio-irmão bronco e no seu momento mais desesperado toca o tema dos Marretas ao piano, a ex-namorada tem um novo namorado que é uma estrela rock pretensiosa com pretensões a deus tântrico do sexo, um "barman" quer ir ver a queca das tartarugas marinhas e tudo acaba num musical com fantoches sobre Drácula.

No título original, "Um Belo Par... de Patins" (é oficial: pior título português do ano, mas já lá vamos) chama-se "Forgetting Sarah Marshall" e é esse dilema que se coloca ao nosso herói nominal: Peter escreve música para a série de televisão onde a namorada tem o papel principal, mas Sarah rompe o namoro e o rapaz, de coração despedaçado, segue o conselho do meio-irmão e vai de férias para o Havai. O pior é que, uma vez chegado ao hotel, descobre que Sarah está lá com o namorado novo e as férias que supostamente iam servir para a esquecer acabam por ser assombradas por ela.

É uma receita clássica da comédia do embaraço ou da farsa de "boulevard", mas o que Nicholas Stoller (realizador) e Jason Segel (argumentista e actor principal) fazem é esvaziar as situações de toda a maldade e cinismo para deixarem apenas ficar o embaraço em estado puro, e evitar tratar as personagens como bonecos bidimensionais para lhes conferirem espessura e humanidade. Peter pode ser um otário, mas é também um bom tipo que se acomodou em demasia; Sarah pode ser uma cabra, mas é também uma miúda insegura que se deixou deslumbrar; Aldous, a estrela rock que é o novo namorado de Sarah (uma criação assombrosa do actor inglês Russell Brand), é um idiota completo, mas bastante seguro de si e do que quer. Ninguém é perfeito e a marca do cinema da "fábrica Apatow" - um intenso respeito pelas suas personagens e um olhar para lá da superfície - é aqui aplicada com inteligência, a par de uma atenção notável ao diálogo e um cuidado em não tombar nem na brejeirice idiota (o que aqui há de "interdito a menores de 18 anos" é mesmo "interdito a menores de 18 anos", sem sonsices) nem na pretensão pomposa. É um equilíbrio dificílimo e a fita sai-se a contento do desafio.

É, então, pena, mesmo muito pena que seja precisamente essa brejeirice idiota que transparece do título português que dá a um filme que não o merecia uma aura de comédia bronca e rasteira. "Um Belo Par... de Patins" é maroto mas não bronco, divertido sem ser rasteiro, inteligente até à quinta casa e uma das melhores comédias que vamos ver todo este ano. E quantas fitas conhecemos que acabam com um musical Drácula em fantoches que é uma espécie de Marretas-via-Neil Diamond gótico?

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